Batalhas de Zezé

Mudados de pouco do distrito industrial do Brumado para a sede municipal de Pitangui, no finalzinho da década dos anos 50, íamos enfrentando os desafios de viver na cidade. Enquanto papai e mamãe, e nossa tiarada que nos acompanhara iam digladiando com os teares e filatórios da mesma - só que bem maior - Companhia de Tecidos, tocavam-nos a divisão fraterna de cooperar nas obrigações domésticas e as lides escolares.

E a gente ia rompendo. Nossa casa, financiada em parte com o dinheiro tomado de empréstimo às tias, solteironas todas, ia sendo saldada em prestações e nos assegurava o aconchego do lar. Carecia de reformas de expansão e melhoramentos, que viriam com o tempo, a paciência e aeconomia. À mesa estava sempre o básico para a sustança e contra o frio, as cobertas feitas no tear-de-pau, a que se juntavam algumas de lã, não faziam feio.

E ali, mamãe teve um sonho, derivado de suas detidas observações da movimentação do populacho, enquanto percorria o caminho da fábrica, ou o da volta pra nossa casa, sita no então chamado informalmente Beco-sem-Saída. Impressionada com as algazarras costumeiras dos escolares da periferia, sonhou com uma decolagem para a alfabetização mais suave para o filho Beu, que seria o próximo - o quarto da casa - a ingressar na escola. E a escola primária que lhe brotou na cachola era a chamada a das Classes Anexas, que funcionava no mesmo prédio do Ginásio Estadual. Dava-lhe gosto ver os seus alunos bem uniformizados, bem comportados e seguramente bem instruídos.

E o passo seguinte foi, na brecha entre um e outro apito da fábrica, sua ida à casa da diretora da instituição para assuntar a vaga pro Beu. A diretora, contudo, não se comprometeu. Assinalou-lhe que no caso de uma eventual igualdade no exame de admissão, a vaga deveria ir para garoto ou garota que morasse mais no centro da cidade, em razão de compromisso social.

Zezé não esmoreceu, malgrado o malogro de seu intento. Ao contrário, se fortaleceu e foi o Grupo Velho que ao menino acolheu. A partir dali, foi aquela sucessão de lutas e conquistas acadêmicas que desaguaram no diploma de Engenheiro pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica, popularmente, o ITA, pós-graduação nos Estados Unidos da América, e uma fulgurante carreira na Aeronáutica. E até foi declinado um convite da NASA. Estrela por estrela, já tinha uma em casa.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 07/02/2017
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