DEVANEIOS

Do alto da Copasa, vejo a minha cidade. E por ela viajo, em seus segredos e memórias. Vejo, ao longe, o Morro Redondo, em disputa ferrenha com o Morro da Cascalheira, pelas atenções da garbosa Mãe D’Água. Ambos se engalfinham, sonhando levá-la ao altar, em cerimônia de bênçãos proferida pelo Monsenhor Amaral. Mas ela, airosa, prefere manter-se alheia, em confidências com o Morro do Segredo. Nesse conluio, desprezam a vizinha Formiga, que morre de amores pelo Gambá. Percebo, solitário mas altaneiro, o Alvorada, imaginando-se o véu da cobiçada noiva.

De mãos dadas, tal qual a Passarete e o Marimbondo, vejo a Bomba e o Funda. Alheios a qualquer disputa, desfilam seu enlace amoroso, como a Maria Papudinha divulgava as lições de amor que ministrava aos garotos, em troca de minúsculos, porém preciosos, vidros de esmalte.

Ah, minha Peçanha... quantos segredos!!! Quem os conhece a fundo é a Bancada, que tudo vê. Tudo vela, mas nada revela. Ela é testemunha, por exemplo, do amor platônico da Avenida Cantagalo, que, reta e desprovida de maiores encantos, suspira pelas curvas sinuosas e sedutoras da Cachoeirinha. Também não desconhece o idílio do Córrego Fundo pela Gangorra. Mas esta já se encontra, desde o nascimento, prometida ao Taquaral... Por isso anda se enfeitando mais que a Maria Padilha.

Seriam esses (des)encontros promovidos pela imagem de Santo Antônio, escondido nas matas que margeiam a cidade, debaixo de uma pedra?

Daqui de cima, meus olhos não veem, mas meu coração sim. Ele vê o telhado do Castelinho, e minhas pernas tremem ao me lembrar do medo de passar ali. Medo também de passar em frente à cadeia, por ali estar o Adão do Froes. Mas meu coração também ouve. Ouve o som dos caboclinhos da saudosa Tia Neva. Ouve – e se assusta – o barulho das matracas da Procissão do Enterro. E se permite viajar para mais distante. Vai visitar Leonel, Magela, Zé Minhoca, Pedrinho e os demais, com suas serestas inesquecíveis. Pena que não incluíram Zé da Gaita. E nessa viagem, vê uma figura ímpar, dirigindo-se ao Colégio, para as suas aulas de Geografia, vestindo terno sobre o pijama. Bom dia, Professor Generoso! E chega ao grupo de lata verde, da Bomba, não sem antes passar pela rodoviária, bem no centro, salivando pela salada de frutas de Dona Ambrosina, mas se contentando com o picolé do Chico Zeferino. Mas há também o pé-de-porco do Sabino!!!

Ah, minha Peçanha!!! Se eu continuar voando assim, nas frágeis asas de Morfeu, acabarei despencando. E não poderei me remexer em seu carnaval, nem mesmo assistir ao Fragmentos do Teatro. Não poderei contar a outros o que vi, vivi, li e ouvi a seu respeito. E perpetuar a sua frágil, mas intensa memória. E agradecer, por ter-me feito tão frágil, a ponto de emocionar com essas lembranças, e tão forte, a ponto de te abraçar inteira.

Cláudio Gonçalves da Silva

Pabinha
Enviado por Pabinha em 02/02/2017
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