Natal derradeiro dum romântico aventureiro

Tio Antônio aproximava-se de completar nove décadas de uma existência feliz, saudável, e embora mais aventurosa do que venturosa, não perdia o prumo nem a prosa. Até que acolheu aquela sugestão, ignorante, ou maldosa, de tomar creolina pra limpar os intestinos...

Tiro e queda: passou a depender da hemodiálise, que fazia dia-sim, dia-não em Pará de Minas. E se encantou com a atenção que lhe era dispensada. Enamorou-se duma faceira enfermeira, fiado no ditado rim por último, rim melhor...

Na véspera do Natal de 2005, de posse dum agrado adoçado, sem temer o chuvaréu que se anunciava, foi atrás de condução pra visitar a musa do coração.

E dele mais não se ouviu, ou viu, simplesmente, a rodar, do radar, sumiu. A busca se iniciou, a um crescendo chegou, se intensificou...e até a celebração da Noite Feliz, papai, seu mano caçula, e vizinho, cancelou. Drama, suspense, tudo se instalou. E sombrias e cada vez mais frias, projeções se faziam.

Até que, no terceiro dia, justo no terceiro dia, o cunhado Osires, baiano de xícara e pires, campeando pelos arredores de Pitangui, no caminho do Velho da Taipa, ouviu uma resposta, frágil, mas firme a um brado seu: tio Antônio jazia, inerte, mas cheio de vida, e alguma superficial ferida, em meio ao matagal, da mesma forma em que despencara de um barranco colossal.

Ao seu lado, o agrado, agora melado, mas de formigas ainda preservado.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 18/01/2017
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