HISTÓRIA REAL
                              Para o poema "A vida...uma obra de arte
                                              de
Paulo da Cruz

    Este texto foi enviado através de minha sobrinha
                  
   Paula de Nicola Montagner
                            é cem  por cento real, espero que gostem.
   Foi uma homenagem que ela fez à sua Tetravó a escrava:
                                 Maria da Glória Gomide Dias





Neste 13 de maio quero render homenagens à minha tetravó Maria da Glória Gomide Dias e a todos os descendentes das pessoas injusta e cruelmente escravizadas noBrasil. 
Oficialmente, Maria da Glória era filha da escrava Guilhermina Maria das Dores com "pai desconhecido", como tantos mulatos e mulatas da virada do século XX. Educadíssima, entretanto, professora bem formada, culta e preparada, mudou-se de São Paulo para a pequena cidade de Piedade para lecionar na única escola local. Lá conheceu meu tetravô, o Capitão Benedito Vitorino Dias, a quem ensinou a ler e escrever e com quem se casou e teve 8 filhos, dentre os quais minha trisavó Chiquinha, Francisca Dias Ayres de Araújo, mãe da minha bisavó Adelaide Ayres de Araújo De Nicola, que, contrariando a tradição familiar caipira piedadense, casou-se com Raphael, o filho do italiano Giuseppe Garibaldi De Nicola, um "tar de fala esquisita que veio das Oropa" e fincou raízes na pequena e pacata Piedade, sabe-se, Dio Santo maledetto, fugido de que capo mafioso veneziano...
- Mas você vai casar com essa moreninha?? - perguntava o carcamano ao doce, louro e apaixonado Raphael... Sim, ali o preconceito e desconfiança eram mútuos, mas a moreninha Adelaide e o italianinho Raphael se casaram e tiveram como único filho meu amado e saudoso vú, o genial Osmar De Nicola (tá, nessa altura do campeonato, o machismo me fez perder todos esses sobrenomes lindos, isso sem contar o Villas Boas da minha vó Constança, o Faleiros da vó Cotinha, o Barbieri da vó Ida, o Tristão da vó Tosca... mas essa é outra história, perdoem-me as ilações...).
Voltando ao assunto principal, minha homenagem à vovó Maria da Glória, é preciso que se questione: mulata, filha de escrava e pai desconhecido, mas uma dama fina e muito bem educada???? 
Pai desconhecido o cazzo! (Desculpem-me também o uso imoderado da minha falta de educação calabresa...) 
Maria da Glória era filha ilegítima, porém reconhecida, do governador da província de São Paulo, o senador Francisco de Assis Peixoto Gomide. Ele deu a Maria da Glória seu sobrenome, educação esmerada e uma passagem só de ida para uma cidadela longínqua (100km) no interior, a nossa Piedade.
Pois é... Vovô Peixoto Gomide era um cara sensacional, adorado, sério, respeitável, advogado, político, riquíssimo... mas, a par das qualidades fidalgas, o aristocrata Peixoto Gomide tinha um vício que acabou por levá-lo ao trágico fim da sua vida: fazer filhos com as escravas! 
Assim como da minha avó Maria da Glória, o governador cuidou com muito zelo da educação de um mulatinho nascido em Cotia, filho de uma escrava com "pai desconhecido", o promotor público e poeta (o preferido de Olavo Bilac, que o prefaciou em uma de suas obras) Manuel Baptista Cepellos.
Ocorre que Sophia, a mais velha dos 5 filhos legítimos de vovô Peixoto Gomide, se encantou pelo poeta e ele por ela, uma paixão avassaladora e inescapável.
Confiantes no amor do honorável senhor pelo seu protegido tão promissor e talentoso, o jovem casal foi pedir o consentimento do pai da moça para se casar.
O velho endoideceu! Proibiu terminantemente o namoro e escorraçou o doutor Cepellos de sua casa.
Imaginando poder conter a paixão dos jovens, o governador sugeriu a mudança imediata da filha para Paris. Sophia, entretanto, corajosa e cheia de amor, negou-se à viagem e, em prantos, confessou ao pai que já se tinha entregado ao amado e que esperava uma criança dele.
Tresloucado, em desespero, o antes bondoso e sereno senador saca da arma que sempre levava à cintura e, com um tiro no ventre, assassina sua adorada filha Sophia. Vendo a filha morta, em completo desvario, o governador Peixoto Gomide volta o revólver contra a própria cabeça e dispara, suicidando-se. 
O "Crime do Senador" como ficou conhecido o funesto episódio paulistano, foi fruto do remorso do sinhozinho ao saber que Sophia, sua primogênita, engravidara de seu filho bastardo, o brilhante poeta e meu tio-tetravô Baptista Cepellos, o qual, entregue ao alcoolismo e à depressão também se suicida 9 anos depois, se jogando do alto do Morro de Santa Tereza no Rio de Janeiro.
A vida da vovó Maria da Glória não foi, a bem da verdade e do nosso karma familiar, triste como a de seu irmão Cepellos (encontrei uma nota no obituário do Correio Paulistano de janeiro de 1924 contendo grande pesar pelo passamento, por ataque fulminante do coração, da veneranda professora dona Maria da Glória Gomide Dias), mas não deixa de ser também uma história de abandono, rejeição e preconceito que nos leva a reflexão sobre o abuso e desvalia com que os escravos (e especialmente as escravas) eram tratados e o quão impregnada dessa maldade velada, desse desprezo disfarçado, dessa cordialidade fingida ainda é nossa cultura, mesmo em pleno século XXI.
Salve 13 de maio! Salve Maria da Glória! Salve Batista Cepellos!
"Tava druminu, Cangoma me chamô. Disse: Levanta, povo, cativêro já cabô!"

                               
Paula de Nicola Montagner
Enviado por Adria Comparini em 02/01/2017
Reeditado em 02/01/2017
Código do texto: T5869920
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