“Bença, Vó”!

Lembro-me daquela senhorinha doce,

de corpo curvado, cabelo em neve e voz amineirada

sempre amparada por sua bengala feita de cabo de vassoura

e base de sola preta na ponta, para evitar que escorregasse.

Lembro-me também das histórias e da felicidade em seu olhar

lembro-me da honra que era assentar-se ao seu lado,

para ouvi-la falar sobre as estórias (comuns) do passado

e também, sobre ouvi-la relatar as façanhas do povo de Copacabana

no empenho engenhoso que foi a invenção do bairro.

Sentada na porta de sua casa, no degrau da escada,

via um Universo em perspectiva, via o bairro mudar dia após dia,

sob a sombra de uma frondosa mangueira (pé de manga rosa),

plantada por ela mesma quando aqui chegou.

Vivia rodeada de gente interessada em suas palavras,

ou em suas rezas carregadas de fé e certeza,

via gente vir todos os cantos do bairro e até da cidade,

interessadas na possibilidade de cura que as suas mãos cansadas

e sofridas da roça ousassem tocar.

"Eu te benzo, eu te curo...", e tudo acontecia...

Umbigo curava , mal olhado caía, cobreiro secava, vento virado se desfazia.

Alguma erva arrancada de seu quintal,

algumas palavras proferidas em ladainha,

aproximavam-na e às pessoas que a procuravam de "Deus".

Penso que a dona Mariinha sempre teve aquela idade

e toda aquela bravura foi lhe dada pra encantar

e servir de exemplo a todos que com ela convivesse.

Foi rainha do bairro (como se autointitulava),

mãe e avó dos consanguíneos, sua família era o bairro todo,

foi senhora de respeito- e muito católica,

até a hóstia no conforto de seu lar vinham trazer,

Dona Mariinha viveu mais de nove décadas

e só agora vemos a falta que ela faz.

É muito triste olhar praquela casa e perceber que não a veremos mais.

O pé de manga rosa segue triste, no mesmo lugar

e vez ou outra chora a sua falta,

- e também já não és tão frondoso e exuberante quanto antes.

A escada na entrada de sua casa (antes o trono de seu reinado),

já não existe como antes

(cheia de gente, cheia de sorrisos, cheia de estórias, cheia de memórias).

O que restou foi a saudade de um tempo que não volta nunca mais

e uma dor no peito do tamanho da grandeza desse ser humano fantástico.