Muros de adobe

Temo que você não mais os veja na tricentenária Pitangui. A não ser nas fotografias mais antigas, de cinquenta ou mais anos passados. Papai não levou muito tempo para me explicar as diferenças entre o adobe e o tijolo. As dimensões, o processo do fabrico, essas coisas. E o google agora, ilustradamente, mas confirma.

Não eram, efetivamente dos favoritos da garotada de meus tempos escolares para receberem os arremedos do grafitismo, da pixação, que então, compunha-se de não mais que uma palavra essencial, monossilábica e que, mesmo erroneamente acentuada, era a mais próxima que se tinha de céu. Grafada com toco de giz roubado, ou mesmo pedaço de carvão porventura, achado.

E sem ter muito a ver com as calças, os muros de adobe resistiam, no finalzinho da década de cinquenta e albores dos anos sessenta. De quase meia dúzia deles, já nem todos inteiriços, eu me lembro por estarem em meu caminho da escola.

O primeiro era justamente na entrada do Beco dos Canudos, o Becanudo que a gente dizia, bordejando o quintal do casarão do Angelino, o homem dos ói azulim que incentivava a gente a prender passarim, fazendo gaiolas...

O segundo, já mais estendido, e até coberto por umas telhas portuguesas, separava a casa-venda do Vinício do sobrado da Tilita. Tinha um buraco, onde a douda Sabina se sentava e proclamava sem cessar seu amor pelo mocetão Marcelo, primogênito do dito Vinício.

E o terceiro, ia na sequência do casario que ia subindo a ladeira e ligava o também casarão do João Bila à igualmente antiga casa colonial onde funcionava o consultório dentário do Dr Ubaldo, já entrando na praça da matriz.

O quarto já era - transposta a praça da matriz, por detrás do templo e do fórum - na rua do próprio grupo onde estudei, o José Valadares, dito grupo véi, que funcionava no outrora mais imponente sobrado da cidade, o casarão de Maria Tangará. Esse muro era até mais imponente, e mais bem conservado do que os precedentes.

E todos eles se foram. Deram lugar a novas construções, ou mesmo vagarias sem edificações. Ida inglória, num hiato de nossa história.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 30/11/2016
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