“SAUDADE SAUDÁVEL” DA VELHA HELENA OU RÉQUIEM PARA UMA DAMA NEGRA

Quando as conheci elas formavam um curioso e impressionante trio. No início dos anos setenta cheguei ao reduto delas, no bairro do Pernambués, levado pela minha eterna companheira Lu. Fui amistosamente recebido pelas tias Catarina (Cata), Lindaura e Helena e agraciado com o respeito e carinho dessas damas negras desde a primeira hora. Entrei na família literalmente pela porta da frente, de lá nunca mais saí. Quis o destino que Cata e Lindaura mudassem de plano prematuramente, deixando para a velha Helena a tarefa nada fácil de conduzir a tribo familiar durante um tempo mais longo, exercendo seu papel de matriarca até os últimos dias, encerrados em novembro do ano passado, justamente quando seu bisneto Benin começava a aprender a ser seu fã, algo já acontecido a todos que a conheceram de perto.

Como se diz por aí, a velha Helena era uma figura! Carregava consigo todos os atributos que a tornavam uma mulher ímpar. Difícil ir à casa do Engenho Velho de Brotas, subir as escadas em direção ao primeiro andar, encarar a visão do sofá vazio, e não nos pegarmos surpresos pela sua ausência. A sensação é de que ela ainda vai estar dando pitacos na cozinha ou descansando no seu quarto, aguardando a hora de assistir na TV seus programas preferidos, ou vídeos de artistas pelos quais declarava publicamente sua preferência. A sensação é que realmente ela não se foi, o que não deixa de ser verdade, sabemos todos que ela superou sua matéria e encontra-se distribuída nas almas daqueles que a amaram e amarão enquanto durarem suas existências aqui neste planeta.

Irmã dedicada, mãe, avó, bisavó, tia, sogra, amiga, conselheira, agregadora, referência de dignidade, mulher trabalhadora, administradora financeira da família (Ana Amélia e Luisa são boas testemunhas dessa habilidade), ativista política ao seu modo, frequentadora de assembleias sindicais sempre que possível e presença constante nas urnas nos períodos de eleições. Tão presente que virou matéria jornalística como uma das eleitoras mais idosas, todos encantados com seu esforço e persistência para ajudar a eleger seus candidatos cuidadosamente escolhidos. A velha Helena foi também merecidamente eternizada com uma matéria no Jornal A TARDE, numa das comemorações do Dia da Mulher, quando os leitores de todas as partes tiveram a oportunidade de conhecer um pouco do seu percurso de vida, exemplo para todas aquelas cujo dia lhes foi dedicado.

“Diga a ‘Dirto’ que ainda estou viva! Diga a ele pra vir dançar a valsa da festa do aniversário comigo!”. Recados como esses recebi alguns, quando vacilava e deixava de visitá-la por motivos hoje, tardiamente, percebidos como menores, quaisquer que tenham sido eles. Era a forma simples e sincera dela manifestar sua saudade e sutilmente cobrar minha presença. Fui um privilegiado na relação com essa mulher divina, mas sei que com cada uma das pessoas com as quais ela conviveu, notadamente os familiares e amigos mais próximos, poderiam fazer relatos semelhantes das suas histórias particulares de vida com ela.

Recentemente recebi da minha companheira Lu uma mensagem no zap da família, quando das homenagens pela data da passagem de uma outra personagem fantástica, Dona Enedina, sua mãe e não por acaso amicíssima da velha Helena. Na ocasião, Lu definiu seu sentimento pela ausência da velha Enedina como “saudade saudável”, expressão que peço licença para usar também aqui neste momento, pelo fato dessas palavras retratarem ao mesmo tempo o vácuo deixado pela ida de Tia Helena há um ano e a sensação agradável da sua eterna presença nos nossos corações.

Na memória, vai ficar para sempre a imagem da matriarca carinhosa e educadora, severa quando necessário, com seu sorriso, com sua pele negra enrugada pelo tempo e os marcantes cabelos brancos, cercada por uma tribo formada por representantes de três gerações, cidadãos e cidadãs cuja herança maior foram os ensinamentos repassados por ela. Desse modo, nesta data em que mais uma vez ela consegue nos reunir no seu entorno, é justo que agradeçamos aos céus o fato da velha Helena ter existido e ter sido posta nas nossas vidas, na certeza de que, em qualquer paraíso onde ela esteja, vai continuar a derramar suas bênçãos e suas luzes sobre nós.

Dilton

Novembro de 2015

Dilton Machado
Enviado por Dilton Machado em 09/11/2016
Código do texto: T5818146
Classificação de conteúdo: seguro