When I am Sixty-Four

Quando se desgarrou da turma do alto, foi em nossa turma dos dois becos - o dos Canudos e o Sem-Saída, que o Reinaldo encontrou refúgio. A princípio, ressabiado quiçá, de nossas intenções de acolhê-lo, mas não levou muito tempo, já estava nos mostrando sua coleção completa da revista Antar, e deixando até a gente pegar naquela sua pulseira inseparável, de correntinha e uma plaquinha de metal que continha, toda vistosa uma insígnia de nossa República Federativa do Brasil.

E tínhamos razões para crer neste país - e em nosso futuro também. Corrupção era ainda palavrão. E com o futebol de rua, do Chapadão e doutras bibocas, vieram também as serenatas, as cobiçadas e inalcançadas musas, a parceria inseparável do violão - para o Rei, as confidências, as imprudências, as saliências, e outras -ências.

Sem voz, mas com ouvidos atentos, pude acompanhar a toda a toada da formação de mais um grupo Beatlemaníaco, onde McCartney era o Rei e o Ringo - bingo! - o Professor Santiago, embora fraco de bateria, das composições era o Mago. Ainda que mal pago. Mano Beu, que até já tinha conhecido uma potencial Yoko, era o John e o Zé Luís Moreira, o George do Sweet Lord.

Por alguma razão que não alcanço explicar - e o austríaco Freud vai ver que muito menos... - Reinaldo começou a se interessar por língua e coisas da Alemanha. Menos, o chucrute, tenho convicção, embora provas não. Sabíamos de cor e salteado as escalações do escrete alemão do início dos anos setenta e buscávamos imitá-los, nos nomes, pelo menos. Era Beckenbauer prá lá, Breitner pra cá, Overath... Aos campos empoeirados, seguimos nossos rumos profissionais. E antes de Reinaldo abraçar o magistério, mantivemos seu vínculo indelével com a alemoíce: passamos a chamá-lo de Rohr, que além de signifcar cano, duto, em alemão faz mesmo alusão é a forma com que o popular, mas sempre sisudo Chancha cumprimentava aquele cabeludo, que sabia chamar Reinaldo, mas que insistia em dizer ô Rôr...

Já se rivalizando com os cobras das cordas, como o Júlio do Timóteo, por exemplo,o imortal cantar de Diana, e de Amor a Três,Reinaldo passou a ser solicitado onde quer que quermesse houvesse.

E depois de décadas seguidas, em que nossos encontros foram raleando, hoje chega-me a notícia do silenciar do violeiro no meio da tarde. Tá atendendo a uma convocação imperiosa. E, como por uma ironia, justamente, na ainda relativamente tenra idade de 64, que dá título à uma canção emblemática do Paul, When I am Sixty-Four...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 19/10/2016
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