Belém, Belém
Sou paraense, sou papa chibé
Eu falo tu e não você
Não tomo banho de córrego e sim de Igarapé
No final da tarde gosto do tacacá
Mesmo no calor que faz o suor escorrer
Açaí tomei na mamadeira
Caribé quando estava gripada
Eu falo “eras” de ti quando estou chateada
E falo “égua” pra todo lado
Quando estou triste, feliz ou decepcionada
Brinquei de “pira alta”, “pira pega” e “pira maromba”
Só conheci “pic esconde” quando de Belém fui exilada
E quando chega o Círio de Nazaré?
É brinquedo de miriti de todas as cores
E a cidade só tem um cheiro
Da maniçoba rainha dos sabores
O pato no tucupi nem se fala
Um sabor indescritível e inigualável
Quem prova nunca mais se cala
Brinquei muito de “macaca” e não amarelinha
Peteca ao invés de bola de gude
Empinei muita curica, papagaio e rabiola
Ai que saudade essa minha!
Com meus irmãos subia nos telhados
E tomava banho de biqueira
Ficávamos todos molhados
Mas não acabava a brincadeira
Lembro de tudo com muita saudade
Até das histórias com muita visagem
Boto, Curupira e da Matinta pereira,
Era só espirrar e já vinha o caribé
Nada de chazinho ou água pé
No meu açaí só cabe farinha d’agua ou tapioca
Gelo e peixe frito, charque ou camarão
Nada de granola ou outro grão
Quando temos que ir a uma ilha
Nem pensar em lancha ou iate
Vamos de popopó ou “vuadeira”
Não quero nunca esquecer de onde eu vim
Sou de Belém, sou do Pará, sou Parauara, papa chibé
Tenho sotaque sim, meu chiado me denuncia
Embora agora esteja muito mineira
Depois de 25 anos nas terras de Guimarães Rosa
Afinal, primeiro de tudo sou brasileira
Me sinto também sertaneja, roceira
Amo esse verde que me cerca aqui nas Gerais
Posso até falar “Uai” mas no sangue corre
Suco de cupuaçu, bacuri e taperebá
Quero na língua sentir o jambú
E provar o caruru e o delicioso vatapá
Sou do mundo, tenho raízes e não ânocra
Por isso minha gente sou de onde eu chegar
Sem esquecer que nasci à beira do Rio Guamá.