A calçada da FAM

Mais conhecido pelo apodo de Esperto do que pelo sobrenome Miranda, o Zé foi, por longos anos, a conexão da macharia pitanguiense com o Exército Nacional. Fichava todos os rapazes que entravam no ano de sua maioridade e que queriam estar em dia com suas obrigações militares e de cidadãos, num cubículo dotado de um balcão, uma escrivaninha e de uma Remington manual. Tudo num quase piscar de olhos - quase sempre inferior a uma hora de espera.

E de lá saía o jovem de posse de sua FAM, a folha de alistamento militar. E para a maioria dos meninos citadinos, a esperança de uma dispensa de incorporação que os livraria de tanta presumida amolação. Os moços da roça, sempre com menos chances, é que, em geral, nutriam a expectativa de uma chamada pois com o Exército teriam, além da farda, um rumo na vida. Quanta graça em sentar praça. Mesmo se da Justiça se erguesse a clava forte, pela Pátria, quem - naqueles tempos - fugiria à morte?

A coincidência de nossos nomes, entre o Zé e eu, não era a certeza de parentesco, e muito menos de um refresco. Mas o Zé, sabendo de minha condição eclesiástica, eu era então seminarista, acenou-me com uma possibilidade de adiamento da incorporação, quando expirasse a validade da FAM. Tudo se fazia na vizinha cidade do Pará de Minas, por meio de um Tenente Brandão, chegada a ocasião, mas sem nenhuma garantia de sucesso na empreitada. A maior certeza da dispensa era justamente para os que mais sonhavam com a incorporação, a moçada rural.

Só uma guerra é que lhes empoderaria para esse sublime exercício da cidadania. Mas a mais provável contendora nossa, a Argentina, malgrado a rivalidade futebolística atávica, se ameaçava, era mais na cabeça de nossos generais estrategistas, e dos dela, do que na realidade de igual penúria das Forças Armadas de ambos os lados.

O Uruguai e o Paraguai eram fichinhas. E a Bolívia nem contava. Peru, Colômbia e Venezuela tinham a barreira amazônica a nos isolar...e ao irmão do Norte, por demais forte, media-se era com uma União Soviética, uma China, enquanto nos impelia a combater outros pirigos danados, como o comunismo devorador de criancinhas.

Enquanto isso, expertamente, com seus zuim azul, já empapados de teor etílico, anunciava a hora de fechar a repartição e cair num boteco, sua paixão.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 04/10/2016
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