FREI DAVID
“A um monumento de Vida”
Do alto de mil emoções cem anos te contemplam
Por estes meus singelos versos de admiração
Interpelando as causas que ainda sustentam
Uma vida repleta de amor e de paixão.
Mas quem és tu, ó Frei, que este mundo desafias
Trepando pelas escarpas desta vil montanha
E nunca do teu eterno rumo te desvias
Revestido de uma alma simples e tamanha?
Cem anos já passaram neste mundo cruel
Que para ti, quem sabe, não terá sido tanto
Já que, cingido de um cordão e de um burel,
Sorris para ele com ternura e com espanto …
Cem anos já passaram e tu, entoando loas,
Ainda encontras cá, num reles lamaçal,
Uma aposta de vida cheia de coisas boas
Indiferente ao confronto entre o Bem e o Mal.
Cem anos já passaram e tu tens a ousadia
De – como Diógenes – andares de lanterna acesa,
Sem olhares para as horas e ao ardor do dia,
Com todo o mundo te inquirindo da afoiteza.
- Que procuras, ó pobre David, nas encruzilhadas
Do teu caminho, com sandálias e pés ao léu?
- Eu sou a mais feliz das ovelhas tresmalhadas
Procuro apenas um horizonte para o Céu!
- Mas que levas, ó David, nesse roto saquitel?
- A fiel memória das lições que aprendi
E o testemunho dos amigos sabendo a mel,
Num saboroso jus da vida que vivi!
- Dizem, ó pobre David, que deixas uma Obra
Que causa espanto a todos os que a vêem …
- Não me arrependo dela, pois sei que é de sobra
E, quem sabe, se ainda há algo que aí vem!
- Dizem que és um artista, mesmo a contra-gosto
E com uma sensibilidade de brancura,
Por isso tu traçaste daquele Cristo o rosto
Que, no fundo, é o que tu és como criatura …
E qual exímio Mestre deixaste temperança
Num alfobre de artistas cheios de talento
Que se revelam em ti na mais sublime herança
De que toda a boa Arte deixa encantamento.
- Ai, ó pobre David, como é que vão esses ossos…
É que “cem anos” sempre são uma centúria!
- Isso é, porque o andar novo por entre destroços
Não dá margem pra folgas, nem perdoa a incúria!
- E direi mesmo, como diria o baladeiro
Ao cantar a divertidíssima “canção das velhas”
Atenta, ó Perdigão e velho companheiro,
“Cá se vai andando co´a cabeça entre as orelhas!”
E aqui fica esta estória que toda a gente adora
E que pretende ser meritória quanto baste
A um monumento de Vida, por dentro e por fora,
Louvando a Deus em justa glória de contraste!
Frassino Machado
In JANELAS DA ALMA