BEMÓIS E SUSTENIDOS

Alexandre Marinho era voz e violão. Morreu depois de ficar doente. Desiludiu-se. Para a morte, basta um desmazelo. O conheci no auge de sua mocidade. Um homem de intenso vigor: Trabalho, casamento, método e arte... Depois, tudo descambou para o infortúnio: - “descasou-se”; “desempregou-se”; “perambulou-se”; “desamparou-se...”.

É bem verdade que Alexandre tentou. Revés sobre revés; mas, tentou. – Porém, as cordas do violão lhe revelaram dores plangentes: amargura, solidão, fadiga, alucinação, vigília, saudade, descanso. O seu último solo foi no dia 13 de setembro de 2009; um domingo inclemente e cheio de pesadelos. Não mais entoado, disse-me por telefone, pouco antes de morrer: “estou bem”.

Talvez tivesse sido melhor assim. Alexandre não arguia mais. Era quase uma marionete nas mãos da vida. Pena que não aproveitou tanto. Pena, não... Tristeza. Cada um é interprete de sua própria canção. O que solfejar para Alexandre, nesta hora? – Um samba? Uma Bossa? Um baião? Um frevo? Um forró? Um choro? – “Gastei tudo em fantasia/ era tudo o que eu queria/ e ela jurou desfilar pra mim/...” – “Fundamental é mesmo o amor/ é impossível ser feliz sozinho/...” – “Eu vou mostrar pra vocês/ como se dança um baião/...” - “Olinda/, quero cantar/ a ti/ esta canção/...” – “Luiz/ respeita Januário/ Tu pode ser famoso/ mas teu pai é mais tinhoso/ e com ele ninguém vai/...” – “Ai/ quem me dera ter um choro de alto porte/ Pra cantar com a voz bem forte/ E anunciar a luz do dia/...”.

Violão que veio do alaúde, que se ensina mais fácil em tablaturas; e que emite através das cordas pulsadas, também, chamadas de primas e bordões: os acordes, os tons, os semitons... - No pentagrama: as cinco linhas paralelas que compõem a partitura; e, ainda, as escalas, as cifras, as letras... - Claves, compassos, bequadros, pautas, armaduras, contrapontos. Na voz: as cordas vocais, as vibrações, as cartilagens, a tonalidade dos sons, o diafragma, as tessituras, os arpejos... - E a postura elegante de quem sabe (em)cantar... - Em solos de melodia, ritmo e harmonia.

Alexandre Marinho teve uma vida de bemóis e sustenidos. Ora a elevava em meio tom; ora a reduzia. Tarraxa, cravelhas, pestanas, braço, trastes, boca, fundo, tampo, cavalete, - De que adianta agora tudo isso? Apenas nomenclaturas (suicidas e) vagas de um violão, primárias... – Feito o tempo gasto para aprendê-las. Mas, como diz Fernando Pessoa: “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.

Recolho-me: Alexandre foi compositor e fez o arranjo que podia na sua vida musical.

Misael Nobrega
Enviado por Misael Nobrega em 30/08/2016
Reeditado em 31/08/2016
Código do texto: T5744856
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