Apenas um Rastro...
Um sopro, um piscar de olhos e o imperdoável passar do tempo. A frase motivacional dos capitalistas em que o “tempo é dinheiro” está extremamente equivocada. O tempo é mais valioso que as riquezas monetárias e a acumulação de bens materiais, pois o tempo é uma percepção da vida. Imersos em unidades de medida, ponteiros do relógio, números dos calendários entre o tempo cronológico e o tempo histórico. Ao passar em conta-gotas se esvai a existência, celebramos mais um dia e menos um dia em todos os dias de nossa vida. Retornamos ao passado por meio das memórias e as lições que as situações cotidianas nos impelem são os desafios da complexa relação entre o aprender e ensinar. Só resguardamos as experiências mais significativas, sejam elas traumáticas ou positivas e edificantes. Até as conquistas mais individualistas só são possíveis por uma ação coletiva. É perceptível o quanto representamos os discursos e ideologias que navegaram na História e estão presentes na atualidade. Criadores e criaturas na dialética e contradição que transforma e cria as condições para o surgimento do ‘novo’.
Em termos de constatação da realidade optei por um afastamento das redes sociais e do acesso ininterrupto ao mundo virtual, apenas por meio das mensagens instantâneas do celular (por obrigação e necessidade familiar e profissional). Muitas pessoas me criticam porque não conseguem falar comigo imediatamente ou incrédulos como uma pessoa vive “desconectada” em pleno século XXI. Confesso que fiquei confuso com as alegações, porém analisando o comportamento das demais pessoas que me cercam percebo que a maioria está com o pescoço inclinado e a cara enfiada na telinha luminosa digitando sem parar. A nossa espécie é extremamente influenciável e imagética em que reproduzimos quase que instintivamente os hábitos e costumes impregnados pelas convenções sociais. Na roda de conversa ou na rua vejo que sou um dos poucos com a cabeça erguida e cada vez menos contato com ‘a realidade virtual’ produz uma sensação de segregação. Como sempre fui ‘do contra’, sinto-me confortável na parte ‘marginal’ ou contra hegemônica da História.
Em compensação esse tipo de alienação faz com que saibamos das noticias tardiamente. E assim de ‘supetão’ soube do recente falecimento de um pesquisador apaixonado pela História Regional, o sr. Luís Inácio Gonzaga conhecido como Zaga. Uma pessoa carismática que soube transmitir seus conhecimentos para as novas gerações. Um colecionador das imagens históricas de Torres tinha satisfação em socializar seu acervo sempre com problemáticas e apontamentos no sentido de enriquecer as futuras pesquisas. Dos bate papos nos eventos e atividades relacionados a historiografia local tinha a sensação de desprendimento onde a rigorosidade de suas assertivas tomavam conta do espaço contagiando a todos com motivação e reconhecimento. Para me consolar, gosto de pensar que Zaga habita o Cosmos Celestial ao lado do saudoso sr. João Barcelos que praticamente influenciou toda uma geração de historiadores, ambientalistas e cientistas sociais. Todos os seus esforços foram marcados pela seriedade com que encaravam seus objetos de estudos, apesar de não terem uma formação acadêmica na área das humanas e suas metodologias de investigação nos deleitavam com suas inquietações e diálogos recheados de emoção e brilho nos olhos. Um legado e uma herança que tomamos como obrigação profissional e pessoal no sentido de reforçar com imensa gratidão o que nossos Mestres nos deixaram quando voltaram a ser “poeira das estrelas”. Tudo é a Percepção do Tempo e uma breve vida que raramente ultrapassa um século. Contudo, o exemplo ensina mais que as palavras e quais são os caminhos que escolhemos para deixar um rastro digno de ser pavimentado?
Publicado no Jornal A Folha/Torres e Jornal Litoral Norte RS.