AULA DA LEMBRANÇA

Esta aula deveria ser uma aula de lições. Mas, esses ensinamentos já não foram oferecidos, em tempo, por seus professores? - Que importa? Este é o momento derradeiro; aquele que se busca na dilatação dos dias... O instante do voo, não da ruptura. E que já seriam motivos, suficientes, para justificar mais esse: “passar adiante”. Porém, o que deixar como legado? Qual conselho seria o mais atraente? Aula da saudade ou aula da lembrança? Passeio pelo encantamento da poesia, tentando encontrar inspiração para os versos desta hora. Quisera eu ter o dom da profecia... Faria assim uma serie de adivinhações, como manchetes de suas vidas:

Aqui vão, meus amores, 17 lições... apenas, recomendações de um contador de histórias, e que feliz por vocês... - poderia propor o silêncio, em deferência. Assim sem dizer palavra, diríamos muito da vida. Mas o rito, também, não permite. Talvez essas lições não lhes acrescentem muita coisa. Porém, o que importa?. O gênio não é do seu tempo.

“Que a força do medo que tenho Não me impeça de ver o que anseio Que a morte de tudo em que acredito Não me tape os ouvidos e a boca Porque metade de mim é o que eu grito Mas a outra metade é silêncio”. Para Osvaldo Montenegro, o homem completo é um homem de amor... E apenas o amor pode vencer o medo. Amor é a primeira lição; e, se fosse o caso, encerraria aqui o meu propósito, pois já lhes teria dito tudo.

Diz-nos Pablo Neruda que “Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade: aquela que nunca amou. E esse é o maior dos sofrimentos: não ter por quem sentir saudades, passar pela vida e não viver. O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido”. Então, amar é experimentar; a saudade é outra coisa... Diga a si mesmo: Eu quero; eu posso; eu faço! Taí a segunda lição

Passemos a Mário Quintana: “É preciso a saudade para eu sentir como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida... Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista que nunca te pareces com o teu retrato... E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te”. Quintana fala da saudade como elemento indissociável da vida: essa é a terceira lição

“Oh, pedaço de mim Oh, metade afastada de mim Leva o teu olhar Que a saudade é o pior tormento É pior do que o esquecimento É pior do que se entrevar.” A saudade, em Chico Buarque, é dor física – não e só ausência, é falta. – Saudade como tortura, mortificação, agonia... – é a quarta lição

Saudade é não perdoar-se do beijo que não foi dado. Uma saudade, meio que chorosa... Uma saudade de arrependimento... A saudade de Bráulio Tavares nos serve como a quinta lição.

“Os ventos que às vezes tiram algo que amamos, são os mesmos que trazem algo que aprendemos a amar... Por isso não devemos chorar pelo que nos foi tirado; e sim, aprender a amar o que nos foi dado. Pois, tudo aquilo que é realmente nosso, nunca se vai para sempre...” Viva, Bob Marley! O que é nosso (por direito ou por virtude) é presente. E por ser assim, como imaginar que ele se vai, um dia? Se por acaso se for... Já sabem, não era para ser nosso. E que bom que se foi. Sexta lição!

“Durante a nossa vida: Conhecemos pessoas que vem e que ficam. Outras que vem e passam. Existem aquelas que vem, ficam e depois de algum tempo se vão. Mas existem aquelas que vem e se vão com uma enorme vontade de ficar...” Charles Chaplin assevera que as escolhas, as vezes, não são nossas... Sétima lição.

“Eu amo tudo o que foi Tudo o que já não é A dor que já não me dói A antiga e errônea fé O ontem que a dor deixou O que deixou alegria Só porque foi e voou E hoje é já outro dia”. O português Fernando Pessoa fala também das transições. A aurora do dia seguinte pode ser apenas a luz do deslumbramento... Não é Pessoa? Mas, também do que precisamos para acreditar. Oitava lição.

Ausência? “Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim”. Carlos Drummond de Andrade não precisa explicar. Nona lição.

“Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que só presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida”. “Se come a presença”, Clarice? E ela ainda diz que “é pouco”! Décima lição!

“Quanto Mais Vela Mais Acesa”, é a décima primeira lição: uma homenagem às mulheres daqui – deste canto – as mulheres vivas e dóceis e famintas... Femininas e feministas... mulheres-machos; mulheres-divas, mulheres-amores; mulheres-dores; mulheres-flores; mulheres-referências-de-tudo-que-é-vivo.

“Um dia quando eu não menstruar mais vou ter saudade desse bicho sangrador mensal que inda sou que mata os homens de mistério Vou ter saudade desse lindo aparente impropério desse império de gerações absorvidas Desse desperdício de vidas que me escorre agora mês de maio. Ensaio: Nesse dia vou querer a vida com pressa menos intervalo entre uma frase e outra menos respiração entre um fato e outro menos intervalos entre um impulso e outro menos lacunas entre a ação e sua causa e se Deus não entender, rezarei: Menos pausa, meu Deus menos pausa”. Elisa Lucinda

Para a décima segunda lição, escolhi Florbela Espanca: “O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está - que tem saudade… sei lá de quê!” A poetisa fala-nos de um ser incrivelmente irrequieto. Não basta ser uma pessoa, temos que ser um conceito.

Só para quebrar o clima, uma besteirinha, que não tem a pretensão de ser coisa alguma: “Saudade é uma ‘cosquinha’ que se sente no coração, quando alguém se tornou especial".

“Quem quiser plantar saudade, escalde bem a semente e plante na terra seca em dia de sol bem quente, pois se plantar no molhado, ela nasce e mata a gente”. Antonio Pereira é um poeta repentista... Autor da décima terceira lição. Lembrem-se: não plantem saudade; ela pode matar a gente!

“Envelhecer é cultivar adeuses e empobrecer em cada despedida.

Os afetos morrendo com os mortos. Lembrar é praticar necromancia. O que fazer de tudo o que já foi, mas fica latejando em nossa vida? É o incurável câncer da saudade: o que passou matando o ainda vivo”. Valter da Rosa Borges ensina-nos que devemos virar as costas para qualquer artificio da saudade (casamatas, caso vivas, caso morras... – Peço licença para me acudir de Zé Ramalho - ...O casamento, o rompimento, o sacramento, o documento como um passatempo quero mais te ver) décima quarta lição...

É de Irene de Albuquerque talvez a lição de que mais goste: a saudade com lembrança... "Saudade é uma coisa que não tem medida, é um vazio que a gente só pode preencher com a lembrança." Décima quinta lição.

Observem, agora, que definição mais engraçada, e já entendam como a décima sexta lição: “Na primeira vez que ti vi montei no burro e fugi de saudade; Não aguentei, montei na égua e voltei.” Um tal de anônimo!

Chegamos a Einstein: “Há duas formas para viver a sua vida: Uma é acreditar que não existe milagre. A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre”. Albert Einstein diz, nessa décima sétima e última lição, que se você olhar para o seu lado, agorinha mesmo, não verá um amigo de quem sentirá saudades, mas sim, enxergará um milagre...

Portanto, uma lição para cada um de vocês, 17 meninos e meninas – mocinhos e mocinhas desse filme extraordinário: de enredos variados e finais indefinidos. Há quem acredite que ditados por nós mesmos. Eu já acho que não há muitas escolhas... Mas, eu sou apenas um tolo e não estamos falando de mim.

17 lições... Muito embora, tenha um coringa na manga. É de Pinto do Monteiro o verso: “Essa palavra saudade eu ouço desde criança; saudade de amor ausente não é saudade, é lembrança; saudade só é saudade quando morre a esperança.”. Um cantador de antigamente, profeta por natureza, ser de oitocentas grandezas, iluminado e tutor. Referência da cantoria...

Vem dessa alma, a minha inspiração de agora: não vem de mais lugar nenhum. Penso, assim, como Pinto do Monteiro. Não sentirei saudades de vocês, mas sim lembranças... E as guardarei no lugar mais honrado de meu tempo – acolá, - onde estão todos os meus amores, pelo poder da comunhão. Tenho certeza e repondo a mim mesmo: essa é a aula da lembrança.

Pronunciarei o nome de cada um de vocês, para que estes ecoem, não somente nesta sala, de paredes frias, mas, principalmente, no horizonte de suas vidas... E que digam para si mesmos: “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. E, peço, com humildade, que assim que seus nomes forem pronunciados, fiquem de pé, na posição de honradez... Para que vejam o mundo com outra perspectiva e para que sintam, também, como é importante ousar.

... Amém!

Misael Nobrega
Enviado por Misael Nobrega em 07/08/2016
Código do texto: T5721271
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