O POETA DA FELIZARDO LEITE

(Homenagem póstuma ao jornalista Virgílio Trindade)

O que dizer nesta hora? Como achar palavras para decifrar o que, circunstancialmente, é o maior de todos os mistérios? Digo no ouvido de Virgílio, inerte, com semblante dele mesmo, repousado, aliviado.... - Que ele foi mesmo uma trindade... - Amizade, família, trabalho. E, peço, ainda, que ignorem o trocadilho simples, condição/emoção da licença poética.

Às tardes de todos os dias: - O edifício Pombal; a cadeira e o birô; a revista caça-palavras; o escritório da Felizardo Leite; o trajeto de volta pra casa, como se fora "o passeio" kantiano... Sempre os mesmos passos; sempre os mesmos vícios (flores e espinhos). As rádios Tabajara, Espinharas, Panati e Itatiunga: as músicas, as entrevistas, as crônicas... Timbre pausado, manso; razão e sensibilidade; convicções fortes. Virgílio Trindade foi a hóstia do jornalismo, feito exemplo a ser seguido. Tombado. Um legado inestimável de respeitabilidade e isenção.

E agora é notícia.

Virgílio foi partitura, foi bola, foi giz e lousa, foi voz, foi povo... e Virgílio sempre será exemplo de tudo que ele próprio construiu. Uniu. Já fui entrevistado e também entrevistador de Virgílio Trindade - Certa vez, num programa vespertino da rádio Itatiunga FM, conclui a minha fala, inocentemente, com um "penoso": - "infelizmente o nosso tempo acabou". E o professor, sabiamente, corrigiu-me: - Nunca diga: "infelizmente" - Diga, sim: "Felizmente que acabou".

A morte nunca considera a vida; apenas a redime. É como uma pergunta sem resposta. Porém, ensina Lutero: "A alma pode prescindir de tudo, exceto da palavra de Deus. Então, por causa desta fé todos os pecados serão perdoados e terás conquistado a liberdade. Ora, estas palavras de Deus são Santas, verdadeiras, justas, pacíficas, livres e repletas de absoluta bondade - A alma daqueles que a elas se apega com uma verdadeira fé será unida a Ele de forma tão completa que todas as virtudes da palavra se tornarão também, as própria virtudes da alma".

Virgílio não teve medo da vida. Foi de uma lucidez invejável. E volto a falar numa outra trindade: Maria José, Eli e Roberta. - Amores, não! O pão de cada dia. Virgílio se foi primeiro. Ele não se aguentaria "partido". Seria mais que uma dor. Como citara Ernani Sátiro no romance "Mariana": "A morte não dói; o que dói é esse resto de vida".

À cada segundo... testemunhamos o milagre da renovação da vida, pela natureza. É quem sabe, Deus nos falando de esperança e de que devemos continuar existindo - Com a obrigação de contar as verdadeiras histórias para que se perpetuem os homens de bem e suas épocas. Todos tenham como certeza... - Virgílio Trindade "andou e respirou nesta terra" e ele não foi apenas espasmo criador, mas alguém de virtudes. Que no trajeto de volta à vida, vindos do cortejo fúnebre, pela despedida do mestre, possamos refletir sobre a nossa condição terrena.

O que haveremos de deixar?

Virgílio foi em vida o que quis. Perseguiu os sonhos de menino desde o Piancó... - E foi árvore: frondosa, frutífera, quase septuagenário. Assim como fora também o tamarindo do bardo paraibano Augusto dos Anjos: "Quando paparem todos os relógios de minha vida; e a voz dos necrológios gritar nos noticiários que eu morri; voltando á pátria da homogeneidade, abraçada com a própria eternidade a minha sombra há de ficar aqui". Velho amigo Virgílio Trindade de todos - Sementeira de gerações vindouras.

Palavras, de que valem? Valemo-nos das graças de Deus.

O corpo de Virgílio Trindade é trasladado pelo calendário litúrgico na quaresma de março do ano de 2009. E baixará à sepultura para ser confinado eternamente - Porque é assim que está escrito. E quando o último vivente deixar o local funéreo - Deus agirá. Um sopro de ar frio percorrerá a avenida de todas as vidas - e o tempo e o espaço deixarão de existir - Uma cruz irá selar o destino de quem morreu na honradez da espécie.

No fim, tudo é propriedade de Deus.

Misael Nobrega
Enviado por Misael Nobrega em 02/08/2016
Código do texto: T5716507
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