PARA TÃO GRANDE AMOR
Zirley pediu que a ajudasse a contar sua história.
Enquanto criávamos este texto ela navegou por toda a sua vida. Teve momentos de alegria e de tristeza, sentindo-se grata e também mais leve por abrir o coração e revelar seus sentimentos. Digo que ela reviveu todos os seus momentos. Tive o cuidado de manter entre ela e Deus Pai seus sentimentos e suas mais íntimas revelações, de momentos de agonia e de momentos de êxtase. é uma bela e comovente historia de amor. Julgue você, paciente leitor do Recanto das letras...
PARA TÃO GRANDE AMOR
Prólogo
Quem não é capaz de se dar conta do próprio passado vive na ignorância e na escuridão, não tendo em si as rédeas do tempo...
Esta é a minha história. São lembranças de longos anos que guardo com muito carinho e que por certo criarão comparações e se constituirão em espelho a outros casais que vivenciam a mesma experiência, ou que por ela também passaram.
E o amor é a tônica desta narração. É a minha luta entre vitórias e derrotas. Uma viagem no túnel do meu tempo, uma lição de que qualquer maneira de amar é válida e a partilho com quem, como eu, ama e sonha...
Qualquer semelhança deste texto com história real não é mera coincidência, aqui revelo na essência uma situação verdadeira que permeou a minha vida e a vida de meu esposo.
A formação de um casal que gerou frutos de um amor sem limites, quebrou barreiras que pareciam intransponíveis, exercitou a renúncia do ser para a alegria do viver, por inteiro, uma grande e perene paixão e tornou-se uma verdadeira história de doação que se interrompeu pela ação do destino.
O tempo revelou a recompensa pelo exercício de dar e de receber, através de uma estrada de vida que proibiu arrependimento e coroou o êxito apesar dos riscos que permearam este relacionamento.
É um resgate de sentimentos que por muitos anos ficaram guardados, e que agora extravasam os limites da intimidade e se revelam a todos que quiserem conhecer e vivenciar, cada um ao seu modo, a fogueira das paixões...
Parte I – Sobre o amor
Ao mundo vim por um ato de amor que permaneceu como o ar que respiro. Aprendi o afeto bem antes da sedução consciente. Buscamos desde que nascemos amor e afeto. Precisamos disto e bebês sabem naturalmente “seduzir” e atrair os seus cuidadores, na busca de proteção e conforto.
À medida que nos desenvolvemos passamos a conviver em sociedade com outras crianças. Quando encontramos companhia infantil que desperta conforto e sensação de bem estar passamos a partilhar tempo, espaço e situações lúdicas, fase de desenvolvimento de ciúmes infantis provocada pela ainda baixa auto-estima e pela insegurança, pela possessão, provocada pela sensação de que “tudo é meu”.
Em se tratando de relacionamento menino e menina, a própria natureza já inicia as diferenciações, e a atração adulta já inicia sua caminhada, preparando o ser humano para o objetivo de perpetuação da espécie. Ainda latente esta situação já está definida.
Pois bem. Paulo era mais do que um simples amiguinho e eu nutria uma amizade maior e muita vontade de passarmos o tempo juntos. Naquela época, eu era uma ingênua menininha de oito anos de idade.
O amor em sua plenitude ainda estava iniciando sua preparação, e aos poucos, na minha mente de criança Paulo se tornava uma de minhas “posses”, com direito ao exercício do ciúme, até. Havia algo de diferente, além de brincadeiras de criança.
Por volta do ano 1.963, eu já contava com dez anos de idade, ainda uma criança, morando na cidade de Bernardino de Campos, interior de São Paulo.
E Paulo, que morava distante, em Osasco, grande São Paulo, sempre passava as férias de julho e dezembro na minha casa.
Éramos da mesma família, Paulo era meu primo e eu ficava extremamente feliz com a companhia que ele me fazia nestes períodos. Eu ficava esperando estas vindas e, obra do destino, a vontade de me encontrar com ele aumentava pouco a pouco, acho que é como devia de ser.
E eu só tinha dez anos e Paulo, “no alto de seus 11 anos” me despertava um sentimento ainda inexplicável, como quando bem criança. Nas nossas brincadeiras, a presença de outras meninas me irritava. Minha afeição era desmedida e me conduzia a ciúmes e ilusões de posse exclusiva.
Com o tempo percebi também que ele não vinha passar as férias na nossa casa por acaso, a ligação não era fruto da minha imaginação. Paulo não revelava as mesmas sensações minhas, apenas gostava de estar comigo. Assim o tempo foi se encarregando de dar lugar às coisas.
Nascemos, crescemos, frutificamos e morremos. Esta é a roda viva da vida. Assim caminhamos. Eu estava florescendo, me preparando para a plenitude feminina, seguindo o destino de tudo.
Semente que se torna planta, que gera flores que se transformam em frutos. O viço da mocidade tomava seu lugar em mim. O amor já se sobrepunha à razão, eu já não conseguia estar com meu companheiro dos períodos de férias sem que a paixão e o desejo permanecessem latentes.
Então, por algum motivo Paulo deixou de vir passar as férias ao meu lado. Éramos crianças, não sabíamos ainda nada do que tange ao relacionamento entre homem e mulher, mas a vontade de se ver crescia e a ausência dele me doía, com um jeito gostoso de sentir...
Eu sofria a sua ausência. Perguntava por ele à minha tia e sempre a mesma resposta me era dada. Os estudos. É... Os estudos tomavam seu tempo, já se preparando para vestibular, sempre estudando. Já estávamos próximos do ano de 73, éramos jovens em toda a nossa plenitude e de tanto perguntar por ele acabei sabendo que tinha uma namorada.
Então era isto, alguém já estava entre nós. Silenciei-me, tentei mostrar resignação, mas, a minha teimosia sempre se mostrou maior na busca de um objetivo.
E não me conformei com que tudo ficasse como uma vontade inconseqüente de uma adolescente em descobertas, eu não deixaria que este meu amor de criança, tão forte em mim, fosse apenas um sonho lindo que ficaria em minhas lembranças e em meu coração.
Recuei contra a minha vontade, mas o destino é implacável e tudo que poderia ter ficado apenas na lembrança, por ironia e trama do próprio destino, voltou com mais força...
Parte II – Meu primeiro namoro
Paulo havia sido um amor clandestino até então. Sempre nutri paixões, desejos e amores por ele, mas, platonicamente, não acreditando que pudesse se tornar uma realização. Sem saída aceitei a contragosto esta impossibilidade, por algum tempo, apenas por algum tempo...
À margem desta situação tive meu primeiro namorado. Um namoro a princípio descomprometido mas que foi tomando corpo e por dois anos desviou meus sentimentos, a ponto de pensar em assumir relacionamento completo pelo casamento. O primeiro namorado a gente não esquece. É como a primeira escola. A vida nos leva a novas escolas e a novos conhecimentos, explica melhor o passado e prepara o futuro.
Meu namoro foi assim. Exercício de amor e aprendizado a ambos. Mas o que não está escrito no livro da nossa vida não acontece.
Pensávamos em nos casar, mas meu namorado só estudava na época, sem condições de constituir família, fato que o levou a procurar meios de sustentação, indo trabalhar longe de nossa cidade. Ele queria se casar, eu aceitava, simplesmente, conformada com a idéia de que Paulo era apenas uma vontade que ficou para trás. Poderia ser seria um bom marido, porém, meu coração e minha alma estavam presos em coisas que transcendiam a razão, beirando o desatino.
Meu namoro parecia sério, com alianças de compromisso, com possibilidades de altar... Mas meus sentimentos e meus pensamentos pertenciam a outro. Paulo era sim a minha fonte de vida. Aquela menininha ingênua dos anos 60 não existia mais, dando lugar a plenitude feminina de uma jovem de dezenove anos e a certeza de que amar vale a pena. Mesmo em amores proibidos. Foi quando então o destino resolveu dar um empurrãozinho...
Então Paulo veio, para um casamento na cidade de Piraju, com ele também meus tios e um amigo que o acompanhava. E meu destino firmou sua caminhada, Meus sonhos e meus desejos, junto à paixão incontida encontraram eco em minha espera e minha busca parecia terminar dando lugar à história de um amor.
Eram os anos 70, Paulo e sua família ficaram na minha casa para o casamento em que deveriam ir, Resolvemos então sair a passeio pela cidade, eu, Paulo, o amigo e uma parenta nossa em carro que tinha escapamento aberto e o motor provocava ruído ensurdecedor, o que gerou irritação na vizinhança e nos lugares por onde passávamos.
Então Roberto, meu irmão, alertou que estávamos sendo procurados por perturbar o silêncio e Paulo decidiu guardar o carro. O amigo dele não fazia idéia do que eu sentia e nem da ligação que eu procurava ter e, como todo jovem, mostrou ousadia tentando de toda maneira iniciar uma paquera que não encontrou resultado. Eu tinha idéia fixa em relação ao que eu sonhava.
Parte III – Revelação
Pois bem. A ousadia deste amigo foi extremamente útil, porque, embora Paulo não revelasse nenhum interesse, acabou demonstrando aquele ciúme que tínhamos quando crianças, o direito de posse se manifestou nele, revestido da disputa adulta.
E lá na garagem, extasiada abandonei as lembranças dos beijinhos inocentes de criança. Senti a magia e emoção do primeiro beijo, dado com calor e próprio das paixões, cercado de amor e desejo guardados no meu íntimo, principalmente a felicidade de saber que meu amor seria correspondido.
Ah! O beijo é coroação, é êxito. E apaixonado aquece e desperta uma sensação que não se explica, nada parece ser igual... Ele transforma e faz o coração acelerar o compasso, nos enche de alegria, sela o calor de um relacionamento que jamais esqueceremos, delícia que é própria de anjos e casais apaixonados...
A certeza de que um sonho de menina estava se realizando se revestiu de felicidade neste momento. E o que fazer? Estaria eu louca?
Eu tinha um romance em paralelo. Tinha um namorado e com ele compromissos assumidos, eu o respeitava e, de certa forma, ele fazia parte da minha vida. De fato eu gostava dele, mas, Paulo era o grande amor, a grande paixão que me alimentava mesmo pensando ser impossível. E decidi então apostar no grande amor guardei a ele.
Estes fatos marcaram o início de uma revolução em minha vida. Amor e paixão. Sentimento dividido, dois amores escondidos, a angústia de uma só escolha por não ter dois corações.
Resultado de um beijo decisivo que me fez sonhar acordada naquela noite.
Tudo isto estava acontecendo em meio a grandes dilemas que consumiam a minha tranqüilidade. Minha família achou um tanto estranho e de certa forma sofrível para todos.
Havia sim um impedimento para meu relacionamento com o Paulo. Grave, do ponto de vista da época em que vivíamos e até hoje objeto de cuidados a todos que vivem a mesma situação.
Grandes amores e grandes paixões com a mesma conotação são relatados através da história do mundo. Conceitos são formados por pontos de vista sociológicos, jurídicos, culturais, mas ainda o laço afetivo e a paixão determinam o rumo, apesar de tudo o que a isto se opõe. A história nos mostra lendas e fatos de uniões tidas como tabu em Marco Antonio e Cleópatra, Philip e a rainha Elizabeth II, Charles Darwin e sua mulher Emma, enfim, outros famosos, como Albert Einstein, Franklin Roosevelt, Thomas Jefferson, Edgar Allan Poe, os atores Jerry Lee Lewis e Kevin Bacon , exemplos de casamento entre primos.
Assim que é. Paulo e eu éramos primos de primeiro grau. Apesar de tudo conspirar contra esta união, decidi procurar um médico amigo, pois me assustava a possibilidade de não poder concretizar meu sonho por conta de impedimento consangüíneo. Isto em Bernardino de Campos, cidade pequena onde tudo se sabe...
E não foi nada animadora a minha consulta. O médico, Dr. Vuolo, deu-me a resposta desanimadora, aconselhando-me a desistir desta sandice, alegando um risco enorme de ter filhos portadores de males congênitos. Muito triste e vencida voltei pra casa. Paulo, o amigo e meus tios ainda estavam lá. Conversei com Paulo e disse-lhe que eu não podia ter relacionamento com ele, revelei e usei sem entusiasmo meu namorado com quem me casaria em breve. Desta forma estava eu sacrificando meus sonhos e abrindo mão de uma grande história, a minha história.
Paulo não se deu por vencido. Foram todos embora, mas, cartas vindas dele me traziam notícias e mostravam sua vontade de estar comigo, vezes por semana, durante longos meses.
Parte IV – A união
Embora para mim fosse um relacionamento incerto, continuamos nos encontrando. Era preciso que eu vivesse minha paixão, mesmo que não tivesse frutos desta união, preço que eu estava pronta a pagar para viver ao lado dele. Então comecei a pensar firmemente nesta tomada de decisão.
Certo dia, em Santa Cruz do Rio Pardo, Paulo estava irredutível e resolveu que me levaria embora de lá casada. Deixei-me então levar por esta loucura. Seria loucura?
Fomos então à igreja, levamos até padrinhos, fingi urgência, gravidez, tentamos de toda forma, pois
eu queria abandonar tudo e ir embora com ele naquela noite mesmo.
Não conseguimos. Deixamos então a igreja e voltamos para nossa cidade. Há que se colocar que eu sempre decidi as coisas em minha casa e sempre conduzi situações não permitindo oposição. Minha mãe estava nos acompanhando e juntamente com meu pai não questionou minha decisão.
Chegando a Bernardino de Campos fomos direto para a igreja. Teria acontecido o casamento se um novo problema não tivesse surgido. Ao registrar nossos nomes constatou-se que haveria a união consangüínea.
É... Não saiu casamento... A menos que fossemos pedir autorização ao bispo de Botucatu e, decididos que estávamos, marcamos para 16 de fevereiro. De acordo com minha mãe que, por recado do meu pai, eu só sairia de casa se tivesse o casamento civil oficializado.
Mal sabia ele que eu já tinha me decidido muito antes, já havíamos trocado alianças de noivado no mês de outubro anterior aos fatos sem que ninguém soubesse. Minha mãe viu depois a aliança em meu dedo, mas, aí tudo já estava consumado. Não me preocupava com cerimônias e papeis de casamento, bastava-me a verdade de um relacionamento despido de malicias e maldades e revestido de amor somente.
Bom, resolvida a questão e decidida a união começou a correria contra o tempo. Deixei meu emprego nas Casas Pernambucanas, recém admitida, deixei o colégio e me concentrei no casamento. E o dia chegou. Eu, ansiosa aguardava o noivo. Às cinco horas da manhã chegou o trem e ninguém que eu esperava desembarcou. Fiquei aflita por algumas horas.
Então estacionou um micro ônibus na porta de casa e finalmente me tranqüilizei. O noivo chegou! E com ele um monte de convidados que ele trouxe. Menos mal, ele tinha chegado e imagino hoje este acontecimento todo atrapalhado na visão do bernardinense. Quanto falatório deve ter gerado....
Mas, tudo bem, eu estava radiante de felicidade! Seguimos todos pra igreja, eu de vestido longo branco comum e um chapéu que eu mesmo decorei com margaridas. Lembro-me que era meio dia. Tivemos uma festa no quintal, com direito a um enorme bolo feito pela dona Antonia e Rosa Benetti e à tardezinha deixei minha cidade, da forma que ouvi na cerimônia: - “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne”.
Fomos embora então. Deixei para trás minha mãe, meu pai, minha irmã Adriana, que contava com apenas quatro anos, pobrezinha deve ter sentido tanto minha ausência... Acho às vezes que fui mesmo egoísta, abandonando a tudo e a todos.
Então, no mesmo veículo que trouxe o pessoal nós seguimos viagem em direção a Osasco, onde uma nova festa nos esperava, daqueles que não puderam ir a Bernardino. Estava consumado e o destino continuava seus passos. O tempo seguia.
Parte V – A primeira frutificação
Agora eu estava casada, meus sogros eram meus tios também, meu marido era meu primo, receios
de gravidez permaneciam. Algum tempo depois, em fevereiro de 1.976, meu tio (e sogro) foi acometido de um mal sem solução e veio a falecer, aos 51 anos.
Fiquei assustada com a possibilidade de perder meu marido estando eu sem filhos a realizar definitivamente o amor que eu por todo o tempo cultivei. Conversei então sobre isto. Lembro-me que esta minha decisão foi tomada junto ao corpo inerte de meu tio, mudando radicalmente meu propósito de não arriscar ter filhos com meu primo e marido. Então, por acordo mútuo decidimos que tentaríamos mesmo sabendo dos riscos a que estaríamos expostos.
De acordo com estudos genéticos, casais sem relação de parentesco têm 3% de chance de ter filhos com alguma anomalia genética. Para os consangüíneos, ou seja, pessoas que são parentes pelo sangue, o risco dobra, e passa a ser de 6%. “É errado dizer que o risco é alto. Pelo contrário. A maioria dos casais tem 94% de chances de ter filhos sem nenhuma doença genética.” Portanto valia arriscar, e o fizemos.
Bênçãos! No dia 07de abril daquele ano, descobri-me grávida! E nova fase de preocupação se iniciava. No meu primeiro exame constatou-se incompatibilidade sangüínea. Logo pensei que começaria um calvário. Será que teria a ver com parentesco dos pais?
Como aceitar com normalidade? Uma jovem inexperiente, mãe de primeira viagem, com este histórico conseguido através do “vi falar”, ou “namorar pode, engravidar não pode”? Seria castigo?
Mas é conhecido da ciência que a incompatibilidade de RH entre feto e a mãe é comum e o próprio corpo resolve esta situação na primeira gestação. É estado doentio chamado “eritroblastose” e durante a gestação o corpo da mãe produz anticorpos que eliminam esta anomalia, bastando depois uma vacina para uma segunda gestação tranqüila. E a gestação transcorreu com normalidade, como de qualquer outra mãe.
Não sabia o que viria. Se fosse homem seria Paulo também, e Fortunato pelo avô.
Soava bem, mas, chegado 21 de dezembro daquele ano veio meu presente de natal, na figura de uma bela menina, linda e perfeita, que em seus primeiros minutos me trouxe a paz e me livrou de estados de agonia, provando-me que a escolha que fiz em gerar um meu semelhante foi acertada, apesar dos riscos. No quarto, após o parto e já com o meu bebê continuei na base de “ver para crer” buscando o que não existia, era de fato um bebê perfeito que coroou minha luta e marcou a nossa vida.
Existem muitas exortações a que se complete família com filhos. De acordo com Vitor Hugo, Um lar sem filhos é como uma colméia sem abelhas; acaba ficando sem a doçura do mel. Também o papa Paulo VI afirmou que a dualidade de sexos foi querida pelo Criador, para que o homem e a mulher, juntos, fossem a imagem de Deus, e, como Ele, nascente da vida. Eu sentia o chamado, segui a necessidade de prolongar-me na genealogia, contar com apoio na nossa velhice e me lancei desconsiderando riscos. Fui Feliz na minha decisão. Minha filha representou uma vitória imensa e se tornou, para mim e para meu amado esposo a mais importante realização naquele momento.
Parte VI – Quem casa quer casa
Quando Luciene nasceu, morávamos nos fundos do quintal da minha sogra (ou tia, ou tia-sogra...) numa casinha que reformamos, eu e o Paulo, rebocando, colocando pisos, forrando... e lembro-me grávida de oito meses, em escada de pedreiro e pintando a frente da casa, na cor azul. Acho que é porque eu esperava um filho, que acabou chegando depois da Luciene.
Estava tudo bem, a vida estava fluindo, tudo azul, e eu pensando para frente, para o alto. Em pouco tempo saímos da casa de três cômodos da minha sogra, para uma casa de cinco, a família já tinha ficado um pouco maior com a Luciene. Eu era um tanto irrequieta e de espírito empreendedor, destemida. Paulo já era mais reservado, mais receoso, talvez mais prudente, talvez inseguro e temeroso de dar um passo adiante e prejudicar o andamento tranqüilo da vida. Novamente, como já havia tomado a dianteira para definir o casamento, decidi pela compra da casa
Reconheço hoje que precisei de uma amarga lição para entender que não posso ter e manter tudo o que quero, que existem limites e situações que não permitem mais correção, sendo o “Não” uma situação de resignação e dolorida aceitação, que colocarei mais adiante.
Pois bem. A casa de cinco cômodos que me decidira comprar ainda não estava pronta. Lembro-me que fomos vê-la à noite, à luz de farolete, ainda sem portas nem janelas.
Eu acreditava em Paulo mais do que ele mesmo. Era um companheiro valente, inteligente, um tanto cuidadoso e temeroso, mas a minha índole de guerreira supria esta prudência.
Demos uma pequena entrada, mirrada, de devolução de imposto de renda e encaramos um financiamento de “um quarto de século”. Éramos jovens, vinte e cinco anos passariam rápido!
Causa ganha! E comemoramos o primeiro aniversário da minha menina Luciene na casa nova, Que benção! Depois de uns poucos anos construímos uma edícula e meu irmão, Roberto, veio morar conosco.
Dizem que um amigo de verdade é como um irmão. E o que dizer de um irmão quando se revela amigo e confidente, cajado e luz? Assim foi Roberto, que guardo para sempre em minhas memórias. Enquanto esteve morando na nossa casa foi dedicado e prestativo, além do que poderia ser, e acompanhou minhas noites de insônia, minhas incertezas e meus receios ao que o Misericordioso me reservava.
Parte VII – Novo filho, novos rumos
Bom, estava tudo bem, então de repente e sem planejar me vi grávida. De novo. E começou de novo os receios. Tive uma gestação aflitiva e conturbada. Ao terceiro mês Deus me poupou de perder minha nova conquista. Aquele menino que eu esperava antes da Luciene veio e dissipou os medos que eu tinha. Medo insano de não saber cuidar de um menino, medo de seqüelas, de males congênitos, mas Deus continuou bondoso conosco e nos deu de novo uma “cria” perfeita.
Tinha mesmo muito medo, até perguntei, implorei para ver e então o pessoal da obstetrícia o colocou no meu peito. E vi, nitidamente um sorriso em seu rostinho, parecendo que um anjo dizia por ele “Bem-vinda mamãe na minha vida” ou dizia por mim “Bem-vindo filho meu”.
Que benção! Que graça de filho ganhamos... Não sei se eu havia escolhido o meu rebento ou ele que me escolheu para sua mãe. Dá pra entender? Os meus pais estavam comigo, eu olhava meu filhinho e meus pais me olhavam, felizes avós assistindo a continuidade da família através da sua filha.
Assim Paulo Fortunato veio ao mundo, dois anos e quatro meses depois de Luciene e completando a nossa felicidade. Já estávamos em quatro então. Eu, Paulo, Luciene e Paulinho... Presente do Criador, menino forte que se tornou um alterego do pai, parecidíssimo em muitos detalhes.
Bem. Receio dizer e ser apontada como inconstante, desassossegada, inquieta e ambiciosa, o fato é que minha casa ficou pequena. E o espírito cigano começou cutucar, começou a tentação. Muda, muda, muda, casa pequena, filhos, precisa de espaço, precisa! Corre! E corri.
Um amigo que havia começado trabalhos como corretor convidou para ver umas casinhas, coisa que eu gostava de fazer. Estávamos em Osasco.
Um sobradinho colonial fora do bairro onde eu morava me ganhou por completo. E eu não tinha dinheiro. Mas tinha a minha casa e propus uma venda/compra casada. Falei com o Paulo. Melhor dizendo, comuniquei o negócio em andamento. De novo eu com as cartas do jogo, com as rédeas nas mãos, com minha intuição e com meu espírito empreendedor, além do moleque cigano na minha consciência, a me atazanar. E meu marido sempre apoiando, complacente, docilmente agradável, gentil e confiante. Acima de tudo garantindo suporte aos avanços que eu buscava.
Paulo já estava acostumado e sabia que meu faro era apurado nestas coisas e em outras mais. Então, antes de qualquer decisão isolada, talvez “pró-forma” fui com meu marido para ver o imóvel. De fato um belo imóvel, fechado há anos sem encontrar comprador.
Desta vez não fui tachada de desmiolada, atrevida, inconsciente, inconseqüente, e tal e coisa. Paulo concordou, como sempre, para minha felicidade, mas achava que eu sonhava demais, não acharíamos comprador tão cedo para nossa primeira casinha, ficou sossegado, disse que esta vontade demoraria anos, etc.
Aconteceu que em menos de vinte dias a minha casa encontrou interessado, entrou no negócio do sobrado e de novo entrei numa dívida de vinte anos, menos mal se pensar na primeira casa.
Mudamos...
Parte VIII – Recanto do sossego
Bernardino de Campos sempre me trouxe saudades. Eu vivia em Luiz Pinto, em meio a fazendas cobertas de imensos pastos, em contato com a natureza, entre frutas e verduras, galinhas e cabras, sentindo aromas e sons que nunca saíram de dentro de mim.
Sinto e vejo na minha memória o gosto e a beleza da fruta apanhada das frondosas laranjeiras, mexeriqueiras e mamoeiros dos campos da minha terra, correndo de braços abertos de encontro ao vento gostoso que acariciava meu corpo de menina.
Vejo-me buscando o leite das primeiras ordenhas nas cocheiras, que vertiam das pródigas tetas das vacas e complementavam com o leite da cabra de nosso quintal, garantindo o nosso alimento matutino. E o gosto e prazer pela liberdade sem limites, desde o despertar do sol até a “Ave Maria” do poente...
Aqui na grande cidade tudo é diferente. Vivemos trancados, com medo de tudo e de todos, sem tempo nem mesmo para uma boa conversa, sem pasto, sem fogueiras de São João. O gosto na vida solta nunca me abandonou e um dia, chegando à minha casa, vi Luciene e Paulinho atrás de grades de janela. Lindos a ponto de serem por mim fotografados para nosso álbum de família.
Depois, olhando a foto fui tomada de amargura e culpa por não dar aos meus filhos o mesmo prazer e felicidade que tive na infância. Injustiça. Desmerecimento pelos benefícios que eu já havia recebido. Pensei então, com firmeza, em voltar ao nosso interior, porém meu marido não iria, havia o trabalho, bom emprego a se considerar nesta mudança.
E se tivéssemos um lugar que nos remetesse à vida interiorana? Um lugar próximo de São Paulo, uma chácara, um pequeno sítio talvez? Paulo, ah! Paulo... Sempre solícito, sempre amoroso, sempre buscando agradar e entender. E, de novo, aquele cigano que habitava em meu íntimo me empurrava.
Fui então à busca desta vontade. Agora pensando na qualidade de vida de nossos filhinhos que aos poucos cresciam. E não tinha recurso algum a não ser o férreo desejo de realizar mais um sonho.
Nossa casa não poderia de nenhuma maneira entrar neste negócio, era patrimônio de direito de nossos filhos e nossa poupança. Apenas tínhamos dois automóveis, sendo uma Brasília e uma Caravan, além de uma linha telefônica que na época se comprava a duras penas.
Alguns imóveis que encontramos eram difíceis de adquirir, dado a nossa pouca capacidade de pagamento. Paulo sempre falava ao corretor que pensaríamos sobre o assunto e eu, feito criança não gostava disto. Ora, não tínhamos recurso sobrando. Fomos procurando, procurando...
Sítios ou chácaras com benfeitorias, com pomares formados, etc. eram muito além do que podíamos pagar. Fui então abaixando o nível de meus desejos e enquadrando-me no que seria possível.
Restou-me um lote de terreno bruto, in natura, com apenas nascentes de água límpida e mais nada. A terra e o céu, somente. Mas a visão de meus filhinhos atrás das grades de nossas janelas no sobrado me aterrorizava.
Que seja assim. Vai ser neste lote então. Mas, teria que vender “nossos potentes veículos” que dariam apenas para pagar o valor do terreno, mais nada. Sem casa, sem luz, sem água encanada, lembrando as caravelas de Cabral descobrindo a nova terra. Era a nossa expedição “além sobrado” e eu, apesar de parecer absurda a idéia, olhava para frente, para o futuro, confiando em meus sonhos, que só se realizaram dada a minha teimosia, choradeira de criança que se revelava quase sempre sedutora, impondo o desejo de posse, “querer e ter”. E novamente o Paulo... Sempre solícito, sempre amoroso, sempre buscando agradar e entender.
Depois disto, naquela semana, fomos à casa de meu irmão, uma belíssima feijoada nos aguardava e, depois de algumas divinas caipirinhas decidimos que seríamos sitiantes! Glória! Amém!
Parte IX – Construindo o paraíso
No sábado seguinte “tomamos posse da terra”. Da terra, porque nada havia lá. Montamos barraca, improvisamos chuveiro e assim iniciamos a nossa “colonização”. Todo final de semana íamos até lá para limpar o terreno, dar a ele a “nossa cara” capinando, roçando, iniciando pequenos cultivos.
Eu estava extremamente entusiasmada e muito agradecida por esta nossa conquista e passava a semana ansiosa para voltar à terra. Em setembro daquele ano plantamos feijão. Sempre armando a barraca, improvisando banho, cozinhando em fogo de chão e desta forma conquistando o nosso paraíso.
Por um bom tempo fiquei assim. Então pensei nas férias de fim de ano das crianças e achei complicado ficar na barraca a semana inteira sem nenhum conforto para eles. E minha linha telefônica que ainda resistia lá em casa serviu. “Bem negociado com o Paulo” a vendemos e começamos construir a casa do sítio. Eu ficava na “vida de barraqueira” enquanto a casa era construída.
Em cerca de trinta dias a casa estava levantada, bruta ainda, precisava de cobertura e o dinheiro encurtou de novo. Então troquei minha máquina de lavar roupas por mil telhas e cobri a casa. O interessante, e inexplicável é que o vendedor das telhas nunca veio buscar a máquina!
“Era uma casa muito engraçada, não tinha porta não tinha nada, ninguém podia entrar lá não porque na casa não tinha chão”... Era mesmo engraçada, sem portas sem teto, sem janelas, sem luz, sem água, mas tinha uma mulher guerreira e sonhadora decidida a criar um lar naquele caos. E ser feliz no seu rancho alegre, com a família gerada dos sonhos de amor de uma criança teimosa.
Decidi não arredar os pés do meu chão durante a construção e foi assim.
Naquela época o país estava em regime de congelamento de preços era difícil comprar ou vender pelo preço justo. Era época de barganhas e trocas e eu, sem dinheiro, comecei a fazer minha própria Arca de Noé juntando por troca os meus animais segundo a sua espécie, barbaridade! Tentei trocar minha máquina de lavar por uma vaca com bezerro, não deu certo.
A cabra, de natureza faminta e desequilibrada, comeu todos os meus vasos de plantinhas e flores, a galinha com pintinhos foi trocada por coelhos, coelhos foram trocados por porcos, porcos se foram por gansos. O feijão que plantamos rendeu dois sacos e consegui trocar parte dele por uma vaquinha. Mas precisávamos terminar a casa.
Já meu pai não concordava comigo, achava muito perigoso viver eu e as crianças, que deveria ser o sítio um lazer para fins de semana e feriados, e outras tentativas para me demover da idéia. Já Roberto, meu irmão, alegrava-se com tudo isto, sempre nos acompanhava e duas ou três vezes por mês vinha ao sítio. Meu pai não entendia que esta era minha vontade, que eu tinha horror da cidade e que meu pé continuava com o barro da fazenda, e o prazer de criar meus filhos com vida saudável.
Aconteceu então o descongelamento de preços. Paulo prestava serviços na empresa Alcoa e seria dispensado mo janeiro seguinte. Eu estava decidida a cuidar do sítio. Paulo então aproveitou e deixamos o sobrado na cidade e mudamos para o campo. Mesmo com casa incompleta. Com o tempo fomos trabalhando na construção, com dificuldade sempre. Por fim o sobrado da cidade foi vendido no preço justo e terminamos a construção da casa e definitivamente voltamos à vida caipira. Com o sítio, novamente, meu esposo me concedeu mais um sonho. O último de nossos sonhos...
Parte X – A vida é um milagre
Certo dia, Paulo resolveu plantar canas junto à cerca. Quando voltou eu notei que ele claudicava por conta de um ferimento que fizera na perna. Fizemos medicação, cuidamos, mas, ele continuava com dores que se tornaram um mal crônico. Não poderia ser o ferimento, algo mais grave acontecia.
No carnaval de 90 estávamos na cidade do Óleo em visita ao meu irmão Roberto. Gostávamos de sair à noite para pescarias ou caçadas e desta vez Paulo não quis participar, sentia dores de cabeça e foi dormir. Eu não conseguia entender.
Algo me avisava que tinha perigo no ar. Cismada eu continuava minha lida no dia a dia do sítio. Quando chegou o mês de março Paulo não conseguia dormir por conta de intensas dores nas costas e febre. Preocupada fui com ele ao médico.
Após uma seção de radiografias e exames foi constatado tumor que carecia de avaliação por especialistas em Oncologia. Paulo trabalhara por algum tempo como profissional autônomo na montagem de projetos movidos a energia nuclear e provavelmente isto o tenha vitimado.
Por um período vivemos a “Via Crucis” do companheiro da minha vida. Durante este calvário, contei com o apoio incondicional de meu irmão Roberto. Ele dedicava boa parte de seu tempo em atender as necessidades que o adoecimento de Paulo exigiam.
Por diversas vezes colocou em risco seu sustento para nos servir, a qualquer hora que fosse preciso, a qualquer dia.
Paulo continuava em seu emprego e dividia seu tempo entre o trabalho e seções de quimioterapia. Então minha mãe veio nos ajudar também, cuidando de Luciene e Paulinho enquanto eu e Roberto nos dedicávamos a apoiar meu marido. Foi uma luta imensa e um grande sofrimento a todos nós.
E após uma bateria de exames e testes o diagnóstico apontava metástase que exigiria um tratamento doloroso e profundo, com chances remotas de sucesso.
O poeta Manoel Bandeira retratou a vida como sendo um milagre. A flor é um milagre por seu aroma, pela sua cor e por sua forma. Assim como o pássaro por seu vôo, por seu canto e por sua plumagem. É milagre também o espaço, a memória, a consciência, mas existe um fim imutável para todos os milagres. E este fato abre discussões sobre o mais variado e antigo dos temas, e maneiras de se interpretar, entender, aceitar o que é inevitável.
É assim, nascemos, crescemos, frutificamos e morremos. Esta é a roda viva da vida. Assim caminhamos. Mas meu desejo era que este “Perpetuum móbile” fosse apenas uma colocação filosófica, não estava preparada para vivenciar e sentir em mim mesma uma situação em que minha vontade não seria feita. Foi assim.
Muitas coisas eu pensei e repensei. O que eu faria sem ele? Como viveria pela metade? Que outra beleza me daria Deus para compensar todo amor que eu tinha? Como me consolaria? O que faria para continuar forte diante de meus pequenos filhinhos? Que vida eu lhes daria?
Foram dias e noites de esperança, pedindo pela continuação do milagre da vida. Foram terríveis momentos de solidão e lágrimas, a criança contida no meu íntimo a gritar “tudo meu, não me tire, não te dou”... E Deus como um tirano me privava e me roubava a razão da minha existência, deixando que a amargura, a frustração e o medo tomassem conta. Será que me castigava por amar meu esposo sobre todas as coisas?
É possível que eu não tenha percebido a ação do Senhor Deus. Meu esposo foi meu cajado e minha luz por longos e felizes anos de nossas vidas. No decorrer dos dezesseis anos de nosso casamento, Paulo sempre me deixou conduzir as situações, fazendo com que eu me tornasse forte e decidida, valente e corajosa, destemida diante das dificuldades.
Sua situação se agravava dia a dia. Meus pais, amigas, meu irmão dedicavam-se a me fortalecer diante do que viria. Até que precisou ser internado e por mais uma semana sua caminhada foi sendo preparada. Paulo era um homem adorável com seus 37 anos, mesmo sabendo do que estava para acontecer em breve, nunca me deixou certa disto. Em seu leito no hospital, disse à minha amiga que estava pronto caso Deus o levasse, pois tinha feito tudo o que queria fazer, Teve o amor que o conduziu na vida e deu também o amor que nele continha, à esposa de sua juventude...
Foi assim. Durante quatro meses Paulo lutou. E sabia que lutava contra o fim de todos os milagres.
E numa fria manhã sua dor terminou, a paz invadiu a sua alma e os Anjos do Senhor o levaram...
Epílogo
Ah! Esposo da minha vida!... Talentoso, inteligente, dedicado, lutador. Sempre íntegro aos nossos laços matrimoniais, minha alegria. Comprometido, moralmente, espiritualmente, leal à nossa escolha de nos devotarmos um ao outro.
Um artista ao sentir por mim os meus receios e as minhas dúvidas, harmonizando nosso relacionamento. Nosso casamento foi um constante aprendizado para nossa evolução.
Tínhamos nossas diferenças de personalidade, mas, que sempre promoveram reflexão e busca de entendimento. Durante nossos anos de convivência lidamos com nossas diferenças pacìficamente, crescemos como casal e nos fortalecemos. Sempre o diálogo prevaleceu. Briguinha também sempre teve.
Paulo era a mola propulsora, o provedor de nosso sustento. Eu sempre fui administradora de nossos recursos, sendo ele o gerador e eu a empreendedora. Sempre pensei em como aplicar o resultado do esforço do meu marido e gozava da confiança e anuência dele.
Nem sempre firme, às vezes temeroso, duvidoso dos resultados, mas, resignado, pois sabia que eu enxergava no escuro deste mundo.
Sempre ouvimos um ao outro com a atenção que cada um merecia. Às vezes nos calávamos, oprimíamos nossas opiniões, mas, falávamos de nossas questões com clareza e afetividade.
Pouca rotina teve. Surpreendíamos um ao outro com pequenos mimos, carinhos sem hora marcada, sem egocentrismos ou egoísmos.
Ora!... Gostávamos um do outro, interessávamos um pelo outro, éramos apaixonados um pelo outro, amávamos um ao outro. E tudo isto demonstrado por ações, porque o amor sem ação não sobreviveria todos os anos de nossa caminhada. Às vezes, ainda penso sobre as reações de meu marido, ou sobre a ausência de reações. Paulo sempre permitiu que eu conduzisse o nosso dia a dia.
Ele percebia meus anseios, minha inquietude na busca de ir sempre adiante, sem conformismo, lutando pela plena satisfação da família. E deixava-me “navegar à vela solta”.
Cheguei a imaginar que Paulo fosse inseguro, ou que talvez não soubesse lidar com uma mulher assim, decidida, resoluta, por isso não interferia em minhas atitudes.
Não tinha percebido que ele tinha sua própria maneira de amar, inerente a ele. Ùnicamente dele.
E de fato nos amamos. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Amamo-nos e nos respeitamos. De fato, fomos felizes, durante dezesseis anos de nossa vida em comum.
É certo que a morte nos libera do compromisso assumido, pela própria vontade de Deus. Afirmo que ninguém foi ou será capaz de substituí-lo.
E assim, meu propósito de estar ligada ao amor de minha vida até que for chegada a minha hora. E se na hora de meu juízo Deus me perguntar quem é o meu marido, tranquilamente responderei que Paulo, na minha vida e na minha morte, é o grande e único amor que tive, desde minha tenra infância até a minha velhice e morte.
Paulo partiu a 27 de julho de 1.990.
Este é o registro no livro da vida de Zirley Puglherini e a sua história de amor...
Zirley partiu em janeiro de 2016