Titular do Sô João

João Albino dá hoje nome à Praça de Esportes de Pitangui. A conservadora sociedade da cidade, num sinal de aggiornamento - ainda que tardio - aos novos e nossos tempos, reconhece ao negro Albino os méritos, ainda que pretéritos da cidadania, sem adjetivações.

João fazia parte de vasta irmandade, gente trabalhadora e digna que enfrentava as pelejas da vida interiorana nos meados do século passado, e um tanto mais além. E entre todos, João era o de mais trânsito social, quiçá em função de seu talento musical. Cantava em quermesses, festas religiosas, participava ativamente de velórios, e era sempre visto zanzando, com algum propósito na cabeça, pelos miolos e pelas cercanias da Velha Serrana. Coimbra era a canção com que mais frequentemente enternecia corações enamorados.

A falta dos incisivos superiores, em nada parecia impedir-lhe a energética locução canora. E cigarrear era uma outra sua paixão. Alimentada, de hábito e hálito, pelos amigos, novos e antigos, de quem logo se intimizava, pescando com a espantosa agilidade do indicador e do médio um Hollywood ou Mistura Fina que estivesse no bolso da frente da camisa ou paletó do interlocutor da vez.

Amigo de todos, ao que eu soube. Menos quiçá, de meu tio Antônio, solteirão convicto, que viera com histórias românticas arrastando a asa para uma sua irmã, quarentona e virginal. Mas não houve consequência mais séria, como um duelo, por exemplo. Ambos não chegavam ainda ao patamar de atiradores

de precisão - de saliva à distância.

E prova de que não ficou ressentimento, foi o fato da generosa acolhida que me concedeu no time de futebol que treinava, no campo empoeirado do Pitangui Esporte Clube. E tudo fiz para corresponder à sua confiança.

Quando me escalou, para minha primeira sessão de treinamento, primeiro nome a ser chamado a entrar em campo, para bater de quarto-zagueiro, hesitei, confesso-lhes. Pois tinha certa noção de posições como goleiro, pontas, mas quarto-zagueiro, onde diachos ficaria postado? Tive uma saída: pedir, respeitosamente para dar uma corrida no banheiro e me desapertar. Foi a salvação.

Só que, à frente dos varapaus Missia e Sininho concluí que estava mais que segura a nossa retaguarda. Pedi para sair, simulando uma torsão. Quildário, solidário, trocou comigo sua posição de banco. E desde então, nunca mais fui vítima da hesitação. Obrigado, Sô João.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 19/06/2016
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