Mensagem póstuma a LUIZ GONZAGA DA ROCHA
Querido Pai:
Lá se vão quase 60 anos do baile do qual você não queria participar, trocando-o pelo sono do atleta exausto. Você não sabia, mas o destino tudo havia preparado para aquele encontro. E o fez mudar de opinião. O fez botar seu olhar numa gaúcha que ali o esperava, sem o saber, quase ao acaso. Bastariam poucos passos de dança e algumas palavras para que você encontrasse e reconhecesse seu espelho nas crenças e valores universais que sempre representaram seus princípios de vida, norte da grandeza e nobreza de sua alma e conduta. Com naturalidade e impassível observância. Princípios que induzem os comuns a identificar como humildade o não deslumbramento ante tantos elogios e exaltações e, como orgulho, apenas o posicionamento firme de não concessão aos desvios de toda sorte. Suas atitudes eram apenas o retrato de sua convicção. O certo era certo e o errado era errado. Simples, assim.
A partir de então, nos chamaram. Um a um. Pelo ventre ou pelo coração. Nos receberam. Nos acolheram. Nos amaram. E começaram a grande instrução. Com igual carinho, enquanto nossa mãe, professora, sagaz e atenta, nos passava a teoria com grande empenho e exigência, você, de forma quase sutil, nos mostrava, pela conduta, a prática de cada lição.
Essa conduta, serena e permanente, fez de seus amigos, verdadeiros irmãos. De muitos de seus discípulos, filhos espontâneos. De seus filhos, fãs arrebatados. Todos irmanados na mesma condição de quase devoção.
Até para seus últimos momentos guardou grandes lições. A doença não o venceu. Não ouviu de você qualquer concessão à dor, à reclamação ou ao desespero. Essa intrusa, que minou silenciosa, sorrateira e progressivamente suas forças, mesmo quando sua respiração já era difícil e insuficiente, foi incapaz de calar sua voz e seu riso largo, ao repassar, por horas a fio, de insônia, suas lembranças de uma vida plena, dura, mas feliz. Foi incapaz de impedir suas brincadeiras conosco, que tentávamos atendê-lo num momento que parecia ser por demais sofrido apenas para nós mesmos. Sua doença foi, nada mais e apenas, o instrumento utilizado por Deus para resgatá-lo dessa vida.
Como você mesmo nos narrou, pois só a você foi permitido ver e ouvir, estava a lhe esperar, ali no outro lado do mundo, aquela charrete cabocla, conduzida por seu primeiro e maior mestre, seu pai, sob a sinfonia dos pássaros, que você tanto protegeu.
Hoje você tem a dimensão do universo. Aquela que quanto mais se divide mais se multiplica, quanto mais se solicita mais conforta... a tanta gente. Um universo que cabe em cada coração e que cria uma corrente mágica em tantos quantos por ele estejam contagiados.
Pai querido, esperamos que quando chegar a nossa vez, você identifique nas nossas mãozinhas agitadas, a súplica pela sua acolhida e defesa. Sabemos que nessa hora, você estará lá, com o mesmo sorriso gaiato, balançando suas sobrancelhas para o lado, como quem diz... “Olha ele(a) aí!”!
Finalmente, pai, daqui, em seu nome, agradecemos a todos e tantos que nos ajudaram nesses momentos difíceis, que choraram por sua partida, que o visitaram num último preito, que o homenagearam de forma tão calorosa e que nos confortaram como irmãos verdadeiros.
Daí, pedimos que dê um abraço em Deus, por nós. Agradeça a ele por essa ventura de tê-lo durante esses anos todos.