Retalhos de mãe
Mamãe, que Zezé é, fala com admiração e respeito e fé, de sua mãe Maria, que a legou ao mundo, ainda pre-adolescente. Costurava e bordava, enquanto a filha única pintava. Eram trepadas audaciosas em tudo que fruto e furto insinuasse, idas furtivas ao córrego do Bambé, que ficava só a um estirão abaixo, a uma subida ao coro da igreja-matriz do povoado da Abadia, de onde chegou a verter um líquido sobre a galera, e que água benta não era...E umas outras tantas e nada santas estripulias que coisas são de todas Marias.
Maria, a progenitora, era zelosa e circunspecta na educação da filha. Em seus divagares, que se alternavam com renitentes enxaquecas, externava-lhe judiciosamente, considerações e preocupações sobre uma eventual partida prematura. Porisso, quiçá, Zezé, deixava aquele severo e chato padre Marciano de lado, e mantinha-se vigilante, com
ambos os olhos na mãe. O que, contudo, não a impediu de se juntar à meninada e buscar água, em latas, baldes e potes, para a construção de uma nova igreja matriz na Abadia dos Monjolos, hoje Martinho Campos .
Esses pequenos construtores estão perenizados, faces sorridentes, numa fotografia que ressuscitou, não sei donde, um dia desses. A resolução é péssima, e a visão, mesmo com lentes, não é das mais excelentes... Mas dá gosto fazer o jogo de adivinhação e ver tanta menina com cara de Zezé, lata à mão, ciosa de cumprir o dever do cristão.
De grave de vovó Maria - cuja fisionomia mamãe jura rever no semblante do mano Zé Luiz - só uma lição, em público, e silente. Mas que valeu e forma permanente, e exemplarmente. Vovó Maria fora visitar uma cliente de suas costuras e, como soía, levou consigo sua Zezé. A conversa foi boa, animada em torno dum prolongado café. Tempo suficiente para a menina Zezé, deslumbrada com os retalhinhos de panos coloridos da visitada, juntar uns tantos e os meter num envelope no mais frenético galope.
Em meio às despedidas, cousa douda, ou doída, passou o bojudo envelope à mãe, que, desconfiada do gesto, e do resto, presto verteu todo o seu conteúdo sobre o lustrado assoalho na vista da cliente, ao olhar
incrédulo da filha que naquela única oportunidade, da mãe, não teve cumplicidade.
Hoje, aos 88, a parte a arte de fazer rosca e biscoito, Zezé se compraz das colchas de retalhos que faz, mais que o sete, pintando o duplo oito.