UM ANJO NO MEIO DO CAOS

Amores e paixões...

Essa força motriz nos movimenta, faz acontecer.

O tempo? O tempo é testemunha passiva.

Walter Peixoto

- = o O = -

UM ANJO NO MEIO DO CAOS

Foi um mergulho monumental (digno dos grandes campeões olímpicos), às cegas, rumo ao desconhecido. Do lugar aconchegante e protetor, às incertezas, ao acaso... O susto à intensa luz, seres desconhecidos me passando a mão aqui e ali. E, de cara, chego apanhando na bunda; não me fiz de indiferente e abri o berreiro. Mesmo protestando com altos berros, continuam mexendo em mim e iniciam uma seção de tortura, jogando-me em água fria (tá tá tá... não estava tão fria assim, mas acho que queriam me afogar). Enrolam-me como numa camisa de força, parecendo um salame a ser dependurado e me jogam junto a outros seres incautos, que acreditaram na grande viagem. "Isso é o inferno!" - disse eu em meu dialeto. O incauto ao lado, de seu coxo almofadado, sorriso ingênuo, replica: "Disseram-me há pouco que esse desconforto é apenas no início". Olho pra ele vendo apenas um vulto, devido à claridade, à qual não havia me acostumado ainda e pergunto:

- Depois piora?

Ele solta uma risadinha boba:

- Você se acostuma. Dizem que aqui pode ser o paraíso.

- Ah, vá... Já cheguei apanhando...

- Ouvi uma de nossas cuidadoras que isso é pra ver se está tudo bem.

- Como assim "tudo bem"? Precisavam me descer o cassete?

- Era pra você começar a respirar logo.

- Pois se eu soubesse disso teria ficado quieto, apanhado caladinho, só de pirraça!

- Teve um que fez isso... Enfiaram uns tubos nele e o prenderam num cubículo.

- Olha aí!! "Num" tô falando!? E você ainda diz que aqui é o paraíso.

- Calma. Construa sua vida. "conheça-te a ti mesmo". Cresça.

- Como crescer? Tiraram-me a fonte de alimentação, cortando de forma brutal... Agora que você falou, estou com fome...

- Acho que você precisa de umas aulas de sobrevivência. Primeira regra: Sentiu fome, comece a chorar; não demora e aparece o ser branco e te leva pra comer. Qualquer coisa que precisar, basta chorar. Simples assim. Outra coisa: Tá vendo ali?

- O que? Onde?

- Ali, atrás daquele vidro.

Olho naquela direção e vejo algum movimento. Apesar da pouca definição, percebe-se que fazem caretas, acenam.

- Vejo um bando de idiotas ali. Mas não vejo muito bem. Impressão minha ou estão fazendo caretas, como se fossem retardados?

- Hehehe - Sabe que já pensei isso também? Mas não dou muita bola pra eles. E Você chegou agora, não vê direito, mas já já fica normal. Aquele pessoal está sempre por ali. Alguns acenam pra mim, depois vêm e acenam pra outros, ainda não entendi bem qual é a deles... Olha lá... Agora acenam pra você.

- Deixe de bobagens. Não reconheço ninguém ali. Pra mim querem me levar à outra câmara de tortura - tento me mexer mas não posso por estar todo enfaixado.

- Penso que seja isso a televisão que tanto falam. Deve ser interativa...

Prevendo uma jornada intensa e sem saber qual sua duração e o quanto ainda teria de suportar daquele lugar, começo a chorar. Tão alto quanto meus frágeis pulmões permitiam. Outros incautos me imitam.

Logo vem um ser de branco: "Ôôhh pulmão forte! Vem cá... vou te levar pra sua mãe".

Essa palavra: "mãe" lembrava-me algo.

Fui levado a outro ser que de início não reconheci. Nunca a tinha visto por aquele ângulo.

A princípio fiquei meio receoso, tentei me debater. Mas aquele ser me recebeu com admiração e respeito. Desenrolou-me, permitindo que movimentasse meus braços. Ela passa a mão em minha cabeça, verifica minha mão, meu braço, minhas pernas e... e outras coisas mais. Mas de uma forma serena. Pela primeira vez, aqui neste caos, senti-me bem e protegido. E foi aquele ser que me deu a minha primeira refeição. Não sabia ainda mas aquela relação ainda perduraria por muitos e muitos anos. E aquele ser seria o único que me protegeria pra todo o sempre. Incondicionalmente! Outros seres eu ainda conheceria, com certo apreço e ligações afetivas fortes, mas nenhum deles comparável com o que senti naquele momento.

Após a refeição, sou levado a um suave embalo, o qual me desarma, podendo eu me entregar à sua proteção, entregar aos cuidados daquele anjo protetor o meu sono e meu espírito. Não sabia ainda como chamá-lo. Em mim mesmo resolvi chamá-lo de: "Mãe" - E assim pra todo sempre!

Walter Peixoto