Aos professores
Pense nas personalidades históricas e famosas, pense em você mesmo, e se lembre do professor que pegou na mão tua e deles e fez todos desenharem as vogais. E é aí que tudo começa, pois ensinar alguém a falar, ensinar alguém a possuir uma linguagem é dar a este alguém um contorno no mundo, uma fala, um gesto, uma significação. A linguagem nos amplia, nos estica. Mesmo eu não estando com alguém, eu posso me esticar através de um papel qualquer, numa mensagem qualquer, posso escrever e alcançar com a ponta das palavras o que eu quero alcançar: Como sem palavras sairia um "Eu te amo" num papel velho? Como se enviaria a carta de amor, de despedida, de aviso da morte? Até um tchau é linguagem! Afinal, o que é aquele tchauzinho? Aquele abanar da mão com os dedos todos erguidos? O que é senão uma tentativa última de mesmo distante ainda ter alguma coisa que una duas pessoas, que comunique, que passe uma mensagem? E não é verdade que nos sentimos até tristes ou ofendidos quando não recebemos um tchau decente de alguém que gostamos? Perguntem aos filhos que perderam os pais, os pais que perderam os filhos num de repente, e vocês verão.
Ensinar alguém a se pronunciar perante o mundo é uma coisa importante, talvez a mais importante de todas as coisas… O professor auxilia o sem voz a ter voz, o sem letra a ter letra, o sem gesto a ter gesto, o sem significação a significar: e aí aquele aluninho vai poder convidar o amiguinho para brincar, vai poder pedir o que quiser: “com mais açúcar, mamãe” talvez diga. O alunão vai poder explicar melhor aquele sentimento tão difícil de explicar, vai ser capaz de reconhecer os números no telefone e discar apressado e gritar as saudades para alguém de quem tenha saudades. A palavra elimina as distâncias, ou ao menos tenta com força fazer isso. E o professor das línguas outras? Tão esquecido… Mas de igual importância. Ensinar alguém a falar uma outra língua é abrir uma porta para um outro mundo de possibilidades, é rir da piada até ontem inalcançável, é conhecer mais palavras e poder usá-las, e é, sobretudo, poder conhecer mais pessoas. E mais sobretudo ainda, ensinar uma língua outra a alguém é transformar algo que era uma fronteira em uma bela e firme ponte.
Se de fato no início de tudo era o verbo, e o verbo se tornou carne, se de fato Deus disse “Faça-se a luz”, em que língua Deus disse isso? Havia então uma linguagem antes de tudo? Se um ponto no nada imenso explodiu e criou todas as coisas, onde estava o código matemático que fez esse ponto explodir? Ensinar alguém uma linguagem é colocar este alguém em contato com a possibilidade deste cálculo, com a possibilidade de sonhar sobre o passado e o futuro, com a possibilidade de falar com Deus, com a possibilidade de aprender com as coisas da vida e guardar as memórias em palavras e revivê-las todas ao contá-las a um amigo. Ensinar alguém alguma coisa é se espalhar para ser este alguém, é ser um pouquinho todos os alunos. Por isso eu repito, o professor não sabe bem o tamanho que tem e há razão para isso, pois o professor é do tamanho da capacidade humana de se maravilhar com as coisas.