TINHA O DIREITO DE SER FELIZ
Na sala era a mais falante. O tom de voz sempre acima da média e as respostas e perguntas demonstravam uma mente questionadora e que sempre ia atrás do que queria. Seu jeito fora dos padrões moderados causava estranheza, mas também atraía por meio do sorriso maroto, cabelos de índia, estatura pequena, olhos de menina.
O que eu não sabia era que seu mundo pessoal era um mar tempestuoso. Seu barco vivia à deriva e por muitas vezes esteve a ponto de afundar. Quando a notícia chegou pelo WatsApp , a foto que postaram não associei à pessoa que convivi por alguns meses. A cidade parou. Os comentários voavam e eram por onde pairavam, acrescentados vírgulas e tius. Por fim, alguém do grupo mandou uma foto onde a colega, profissional, mãe, mulher mostrava-se com sua marca registrada: riso de menina e olhos de quem corria atrás dos sonhos sem cruzar os braços.
Assassinada. Dentro de casa? Quem? Por quê? Ninguém viu? Por que não a ajudaram? Ela era tão destemida, realmente lutou, mas quem tirou sua vida era a pessoa que um dia lhe jurou amor eterno, deu-lhe filhos, mas que anos antes já vinha tirando sua vida pouco a pouco. Escondido o corpo, os filhos mandados para a casa de parentes. Segundo os comentários, ele esperava o momento para desfazer-se do corpo, mas alguém ouviu os gritos, chamou a polícia e foi pego ainda perto de casa.
Mais uma mulher perde a vida. Mais filhos presenciam violência no lar e são obrigados a ficarem de boca fechada. No velório mais de mil pessoas entravam e saíam para se despedir daquela mulher pequena, ainda tão jovem que teve sua vida ceifada. Crianças, adolescentes, velhos e jovens aos cochichos não encontravam respostas para tanta barbaridade. Motivos? Quem sabe? Justificativa? Não havia.
E os pais dela? Os filhos? Os irmãos, parentes? Meu Deus, quanta dor! Gemidos, silêncios e cabeças baixas falavam e muito. Mas, esqueceram-se dos pais daquele que tirou a vida dela. Como está esses pais que não ensinaram seus filhos o caminho do mal? Quem irá lhes levar uma palavra de consolo? Estão isolados na sua dor porque além de perderem a nora e netos, passaram a serem taxados de culpados por terem colocados no mundo um ‘ser sem coração’.
Voltei pra casa num silêncio de inquietação. Minha alma clama, mas meus olhos não extravasam a dor. Quem sabe traria alívio abrindo essa represa que não para de encher. Meu adeus aconteceu no último dia quando nos encontramos para apresentar o artigo para revisão. Nem sabia que seria a última vez que a veria com vida, olharia nos seus olhos, trocaria um sorriso e daríamos força uma para outra para que não desistíssemos no final da linha.
O adeus de hoje não conta. Porque quero guardar na lembrança a alegria, o vozeirão de sertaneja, mãos de mulher guerreira, corpo pequenino que por dentro escondia um ser extraordinário que apenas queria, e tinha todo direito de ser feliz.
12/03/16
IONE SAK