A rua Padre Belchior
O eminente contista e memorialista pitanguiense José Alyrio Mourão, para falar de seu natal rincão, é pródigo de inspiração. Em sua obra Benvinda e outras saudades ele dedica umas páginas à evocação da rua Padre Belchior, onde praticamente se criou, sobretudo portão afora.
A referida rua é tradicional, artéria vital do sistema circulatório da cidade tricentenária, e não é sem razão que se resolveu nomeá-la com a homenagem ao prócer de nossa Independência. Padre Belchior foi figura influente na corte portuguesa e, aparentemente fazendo vista grossa às aventuras extra-conjugais do impetuoso Pedro I com a Marquesa de Santos, não descuidou dos destinos da Pátria amada, recomendando ao imperador o desligamento formal da massacrante e anacrônica metrópole colonial. Está nos Autos. E a lembrança de Belchior está entronizada na história e geografia da Velha Serrana.
E Mourão, nascido, crescido e dali exportado, guarda memórias preciosas de sua vivência naquela rua de traçado irregular, assimétrico e cambaleante, que se afina e se alarga a todo instante, mas que é quase plana, reta e dileta e abrigo de tanto morador ilustre a ela afeiçoado. Nas celebrações religiosas, era ponto obrigatório de passagem e até de paragem das procissões. Justamente onde mais se dilata, confrontando casarões históricos como os dos doutores Valdemar e Romualdo, tornava-se palco do encontro de Maria e de Jesus nas quartas-feiras santas, e quanta lágrima não se derramava ali durante o grave e pressagioso sermão que o vigário da cidade então fazia. A paixão e crucifixão eram passos necessários para se chegar à glória da ressurreição.
E se não há lirio, ou mourão hoje visível na reverenciada rua Padre Belchior, lá hoje há muita lembrança de quem foi e volta a ser criança, feito foi uma vez Romulus Augustus, esse Quixote, sem Sancho Pança...