TIO ANTONINHO E SEUS BOIS

Tio Antoninho foi capa da revista Globo Rural de março de 1986, onde aparece sorridente, com um chapéu preto de barbicacho , a barba por fazer e, ao fundo, se vê um animal de sua criação. Na reportagem de José Hamilton Ribeiro, o gado que tio Antoninho criava é chamado de "raridade", "um tesouro". Esse gado de sua fazenda, e que hoje os filhos conservam, é o "franqueiro", um boi forte, de couro duro, pelagem variada e chifrão. O chifre longo e pontudo é a marca da fazenda e aparece já na entrada, enfeitando a porteira.

Tio Antoninho faleceu faz alguns anos. Lembro-me bem de seu jeito muito simples, sorrindo sempre, olhos espertos. Era um homem de posses, porém desapegado do dinheiro, do luxo.
Quando o visitávamos na fazenda, ficávamos surpresos com o descuido da velha casa de madeira. Janelas com vidros quebrados, galinhas, gatos, cachorros entrando pela cozinha, sem cerimônia. Sobre a mesa onde fazia as refeições havia alimentos, bulas de remédios, propagandas de laboratórios veterinários, revistas, muitos papéis, e a erva mate junto à cuia de chimarrão, que não dispensava. Morava só e, às vezes, passava muito tempo sem ir à cidade. Quando ia, se hospedava em nossa casa (mamãe era sua irmã).

O gado criado por ele com orgulho ainda hoje é motivo de estudo. Descende de exemplares trazidos nas caravelas ao tempo do descobrimento. Cruzou e recruzou com outras raças, dando origem a alguns tipos nacionais. Como tio Antoninho dedicou-se a criar somente esse tipo, tornou-se um criador isolado desse gado "franqueiro" ou "criolo lageano". Meu tio vivia a 30 Km de Lages - SC, na BR 116, município de Ponte Alta, às margens do rio Canoas. Porisso, a fazenda se chama Canoas.

Esses animais têm o couro grosso e enfrentam bem o vento frio e a geada. Até neve pode ocorrer naquela região, nos meses mais frios de inverno. Também são muito resistentes ao berne e ao carrapato.
Tio Antoninho dizia que o sentido da vida não era fazer dinheiro, mas fazer o que se gosta. Algumas pessoas comentavam que ele titubeava em vender suas reses por ser muito ligado a cada um dos animais e por gostar deles mais do que qualquer coisa. Dava-lhes nomes do tupi-guarani, como Capivara, Tupã, Anaí, Tobioatã...

Sempre tinha um ou dois empregados, mas dedicava-se pessoalmente ao trabalho árduo da fazenda, criando também alguns cavalos, porcos, ovelhas, marrecos, patos e galinhas. Considerada um "tesouro genético e histórico", sua criação de gado foi estudada pela EMBRAPA em Brasilia. Alguns animais foram levados para lá e ficaram sob observação direta. Esse órgão congelou sêmen e embriões para garantir a sobrevivência da raça.

Ao final da matéria a revista publicou uns versos simples que ele tinha na parede da sala, escritos com sua letra miúda e caprichada, numa folha de caderno:

O dinheiro dá
a cama, mas não o sono
o livro, mas não a inteligência
o luxo, mas não a formosura
uma casa, mas não um lar
o crucifixo, mas não a salvação.
E pode garantir um lugar na igreja, mas não no céu!

Sinto orgulho de ter convivido com esse sábio, que mesmo sem querer, nos deixou muitos ensinamentos de pessoa comum, de um brasileiro quieto, solitário, que viveu longe da glória, do luxo e da soberba.

Aloysia
Enviado por Aloysia em 21/11/2015
Reeditado em 04/10/2022
Código do texto: T5456510
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