Cem anos para contar uma História.(II)
Lugar grande, parecia que ninguém conhecia ninguém. Carros, prédios, empregos, casas e cortiços. Eis sua nova realidade, um quarto e cozinha abrigando filhos noras, netos e luta. A vontade de viver muito maior que a de apenas sobreviver.
"Tantas famílias no mesmo quintal,
conviver traz brigas no local
comum é a presença policial".
" São Paulo,lugar duro mas querendo acontecia!
Querer que a lavoura nem sempre obedecia ".
Um dia lavava no sobrado, no outro passava no prédio, mas na maior parte do tempo atendia em uma avícola, trabalho digno, não obstante envolver sangue e morte. Era a dona daquele setor de abate, imbatível sua precisão, sua eficiência e produção. Muitos e muitos anos foi a fonte do sustento. Fria ? Nem tanto, tinha sua filosofia: Plantação também é viva. Tudo é benção para nutrir outra vida, lei da criação. Destruir "a obra" por traquinagem, jamais !
Seus filhos já eram pais, donos de seus tetos, não gostava de dizer de um pedaço de chão, e ela tinha sua casa modesta:
"àgua na torneira,
luz na cabeceira,
carne na geladeira". (A vida é boa !)
Andava de carro, tinha médicos e amigos. O emprego o médico lhe afastou, mas jamais ela parou, em seu portão a vendinha começou, e logo confirmou que das contas entendia.
" Comprava,
pagava,
emprestava e
até economizava". (A vida é boa ! )
Muitas visitas ela tinha, e quanta conversa alí se ouvia. Muitos buscavam socorro em seu portão,havendo possibilidade,sem alarde ela ofertava. As novelas lhe entertiam, e no jornal tinha um tal Alexandre Gracinha.
"A idade, e a paz lhe trouxeram serenidade,
já não se importava com tantas banalidades..." (A vida é boa ! )
Orgulho em ver filhos se desenvolverem, netos crescerem e bisnetos chegarem, era uma mulher sensata, dona de sí e de seus afazeres, a todos recebia com o prazer de encher a casinha. Aos 85 anos, cuidar de sí era regra obedecida, cardápio rigoroso, o permitido e o proibido eram claramente explicados com sua total lucidez.
Véspera de aniversário deitou-se um pouco enquanto a verdura cozinhava, jamais provou daquele alimento, em sua cama tudo se apagou, a mente se tingiu de sua cor predileta e mesmo com suporte e tentativas médicas não mais voltou.
Deixou recursos para custear seu pedaço de chão, não se faz juz ao descrever como velório, foi um digno funeral, muitos vizinhos, amigos, conhecidos, familiares de todas as localidades reunidos não em um lugar triste que fala de morte, foi como ela quis, num campo semelhante à um jardim. Quando o esquife desceu muitas palmas se ouviram, muitas lágrimas caíram, com a certeza de que se despediam da parte material de uma grande pessoa, que veio, viu e venceu !
"Não importa as dificuldades que a vida lhe apresenta, mas o que você faz destas dificuldades"
Esta é uma homenagem à minha Avó Tudi, nascida há exatos 100 anos (15/11/15) grande mestra da vida. Tanto do que sei e sou provém dela, tanto do que serei também à ela sou grata, visto que nos momentos difíceis, entre outras coisas, me obrigo a lembrar que ela acreditou, continuou e conseguiu.
Te amo !