Cem anos para contar uma História.

Cenário : pré início da terceira década do século XX, um pequeno pedaço de terra no semiárido bahiano, as jovens eram orientadas a se esconderem diante de qualquer rumor sobre a proximidade de um bando famoso de cangaceiros que assombrava cidades próximas, saqueando, estuprando, surrando e matando. A palavra hospital não significava coisa alguma, as pessoas nasciam com auxílio de parteiras, mulheres que ninguém duvidaria ter parte com o plano divino, assim como as benzedeiras, fonte de cura e esperança numa realidade de caatinga.

ELA aos 13 ou 14 anos estava em sua lida com a roça, quando numa rápida falha a lâmina trocou colmo por falange, tingindo o solo de um carmim que lhe causava vertigem. Uma pedra próxima foi a sustentação para eliminar a derme que ainda unia a parte ao todo, e assim foi feito, antes de estancar com um pedaço interno do vestido. Não sabia se havia adjetivos definindo sua atitude, era apenas o que precisava ser feito, até o pai chegar e levá-la para casa no final da tarde. Poucos anos depois casou-se felizmente com o amor que escolheu, o homem de sua vida toda, todavia não houve recriprocidade e a vida dele foi de tantas outras, e aos 25 já não tinha esposo, nem companheiro, mas três filhos para sustentar no meio da caatinga.Uma entre tantas outras viúvas de marido vivo, ao longe outra família já estava formada. A fome ensina que muitas coisas além de saciar, criam homens: angu de farinha, tatu-peba, lagarto, preá e até palma. No entanto, o amor ainda pulsa, as visitas tanto quente quanto casuais favorecem três novas gestações porém vigam apenas duas meninas. A realidade seca e cruel torna até o exótico muito difícil, e quando se pode contar com irmãos sem filhos para ajudar, não há muito o que se pensar, distribui-os para que possam continuar.

Ouvia-se muito falar de um lugar tão significativo para eles quanto era Canaã para os hebreus, e não por acaso trazia o nome de um discípulo de luta. Certo dia após novo fracasso da lavoura para o impiedoso Sol, jogou seu chapéu no chão e pisoteou-o, lágrimas escorriam enquanto proclamava : Isto não é vida ! Ainda vou pra Sum Paulo!

(continua)