A gente morre do adeus que não deu

Se me fosse franqueada a possibilidade eu faria algumas coisas antes de te dizer Adeus. Eu iria uma última vez com você ao seu clube, simplesmente pelo fato de que existia algo ali que te tornava muito leve.

Eu iria uma última vez com você ao parque levar seu cachorro para passear, somente por gostar de ver seu sorriso abrir com algum beagle ou bulldog francês (mas você também não era muito exigente nesse quesito). Ainda sobre animais: eu teria me despedido dos seus cachorros, já que eles que me recebiam junto com você, e já perto do fim normalmente a Cacau estava no seu colo. Algumas vezes o Tobi chorava e me fazia companhia até eu que eu pudesse entrar, outras vezes ele buscava a Rita. Eu teria ido uma última vez com você em algum petshop e você tentaria me convencer a levar um filhote. Ainda bem que não comprei mesmo, não sei como seria olhar para ele e ver você.

Eu almoçaria uma última vez na sua casa em um sábado qualquer, já que agora os sábados perderam um pouco de sentido. Eu já estava acostumado em ver você sorridente ao abrir a porta, às vezes, porém, brava já tenho um problema crônico com a pontualidade. Assim, eu também poderia ter dito adeus aos seus irmãos, poderíamos ter jogado uma última partida de Munchkin, eu teria me alongado vendo um filme com sua família, teria me despedido dos seus pais. Eu sinto muito a falta deles.

Eu teria ido viajar com você uma última vez e tentaria não dormir enquanto você dirige, pois eu gostava de segurar na sua mão enquanto você estava concentrada dirigindo (e mesmo assim retribuía e sorria).

Eu teria ido ao cinema com você uma última vez, nem que fosse para ver Magic Mike, bastaria para mim ir uma última vez com você no cinema. Sobre os filmes, eu lembro de que sempre que os casais dos filmes passavam por alguma crise eu tinha calafrios pensando que poderia ser a gente, e te abraçava forte, e eu vou morrer sem saber se você percebia isso (em especial quando assistimos Alabama Monroe).

Eu teria dormido na sua casa mais uma vez, eu sei que você preferia dormir na minha, mas eu realmente gostava muito da forma que você vinha cedinho me encontrar, quase como se colocasse o despertador para acordar e vir deitar comigo, já que seu pai não nos permitia dormir no seu quarto. Esse tipo de dedicação e "aventura" mostrava o quanto você presava o tempo que passávamos juntos. Você normalmente trazia o Tobi, que em outras ocasiões seria terminantemente proibido na sala de TV. Esse cachorro era tão esperto que ele se aninhava para ficar confortável e escondido ao mesmo tempo.

Eu teria visto seus primos, suas tias e sua avó uma última vez. Nós poderíamos ter brincado com a Rafaela um pouco, ou ter levado ela uma vez mais para o Simba-safari, para ver se essa nova experiência seria menos traumática.

Eu teria ido ao Kai mais uma vez com você, talvez pelo fato de que acabamos gostando muito de lá e eu sinto falta disso. Poderíamos ter tentado ir no “Jedi’s Burger”, já que falhamos miseravelmente em todas as nossas tentativas, e agora ele é um tipo de lugar que me proibi de ir. Poderíamos ter ido na Ruella mais uma vez, de certa forma sinto orgulho por não sermos aquele tipo de casal que frequentava o Paris6 (nós realmente odiávamos muito esse tipo de casal).

Enfim... a gente morre das despedidas que não fizemos, das repetições que sentimos falta, das omissões habituais que consolidamos e do esquecimento das pequenas coisas que tornam a vida realmente incrível. Morremos mais de tentar sermos imortais do que aceitando que não somos e nos conformando com isso. É possível morrer da própria imortalidade.

Se eu fosse continuar listando as despedidas que teria feito provavelmente eu acabaria escrevendo a nossa história de novo, repetindo a integralidade do nosso namoro. A diferença é que meu eu-lírico teria tomado algumas providências para tornar o fim diferente (inexistente?).

Por exemplo, eu teria dito o quanto me irritava você me satirizar na frente dos meus amigos, sobretudo quando eu estivesse falando algo que eu realmente gostava; eu nunca entendi de fato a razão pela qual você fazia isso, pois você sabia o quanto eu tinha problemas com autoestima e que esses momentos eram particularmente os únicos em que eu sentia alguma confiança

Eu teria escrito um poema para você, mas os anos na faculdade de Direito engessaram meu eu-lírico, e hoje só escrevo abstrações...

Eu teria me imposto e me defendido mais durante todo o relacionamento, e, provavelmente as coisas não teriam se desgastado tanto. Acho que meu grande erro foi não ter percebido que você precisa de ajuda para ser mais “fraca”, menos incisiva. Enfim, creio que comprovamos a máxima niilista de que é possível morrer por ser exatamente imortal.

Para finalizar: eu teria dormido uma última vez no Sofá do Centro Acadêmico, teria beijado você pela última vez no local em que demos nosso primeiro beijo (quase ficamos presos dentro do prédio velho, lembra?). Eu teria pegado uma última carona para casa, saído do carro e batido na janela para você abrir e, provavelmente, eu teria te beijado uma última vez, porque eu tenho esse hábito de me trair quando digo que é a ultima vez.