Às vezes, nunca mais é muito tempo.

Oi, Eber!

Hoje faz um mês.

Hoje ela estaria aí com vocês.

Hoje fez 34 dias após a cirurgia dela.

Era para estarmos comemorando vitórias. Era para estarmos juntas na casa de apoio.

Sempre temi o transplante. Mas sabia que o medo devia ser de continuar no tratamento, desistindo da 2ª chance que a vida nos dá.

Para a minha mãe, essa seria a 3ª chance.

Eu não tenho palavras para descrever o que sinto. Sinceramente, ainda não acredito. As vezes, penso em te ligar pra saber se é verdade... ás vezes, numa terça ou quinta, penso em te ligar pra ver se ela, por acaso, está aí.

Quando penso nisso, algo me diz: Ana, fica calma. Olha, sua mãe não está mais aqui.

Então eu mudo de assunto mentalmente. Ligo pra alguém, olho o facebook, ou dou uma volta em casa pra "esquecer".

Às vezes, nunca mais é muito tempo.

De toda forma, ela foi linda. Minha mãe tinha dificuldades para se comunicar, mas encontrou quem a amou e conheceu o amor também. Se casou, separou e me criou sozinha.

Não fomos mãe e filha perfeitas. Erramos. Mas nos amamos também. Creio que a distância, por mais que não pareça, foi o melhor pra nós.

A distância que estamos agora foi melhor pra ela.

Foram praticamente 2 anos e 3 meses de tratamento. Eu a admiro. Admiro todos que se tratam, que se cuidam, que vivem e se apegam a essa nova chance.

Vocês são inspiração. Vocês são exemplo. Exemplos de que "problemas", muitas vezes, são para ser vividos e o mal não está em vivê-los, mas em não aceitá-los.

Ela sempre gostou de comer bem, de sorvetes, refrigerantes. Foram 2 anos e 3 meses de restrições. Ela estava triste, se sentindo só, cansada da hemodiálise semanal. O maior desejo dela agora, era poder beber uma garrafa de água gelada toda de uma vez. Só isso. Com todas as pessoas que falei inclusive o rapaz da academia que ela estava indo há um mês, ela só queria beber água.

Deus, ela só queria beber água.

Sei que ela tinha medo, mas sei que o maior medo dela era de não encontrar um rim compatível, já que o meu só poderia ser doado aos 25 anos, e este ela não queria. Ela temia por mim.

O rim apareceu e não foi dessa vez. Sendo uma das primeiras da fila, nossa ansiedade aumentou. O desejo também.

Eu clamava a Deus, muitas vezes, pedindo que tirasse essa dor dela, porque eu sou jovem, forte, me viro, trabalho. Eu pedi a Deus a dor dela pra mim. Eu clamei ao Senhor com toda a minha força.

Um belo dia, a notícia de que o rim tão esperado estava lá. Pronto pra ela.

Não foram complicações cirúrgicas que levaram minha mãe, foram uma série de fatores. O transplante foi um sucesso. O rim não funcionou como esperado inicialmente, mas estava tudo bem em relação a ele.

Eu só poderia visitá-la 3 dias após o procedimento.

No terceiro dia eu estava lá. Ansiosa e com medo. Havia notado uma voz triste e chorosa no telefone. Temo eu que ela sabia o que aconteceria.

Quando a vi, tive certeza disso. O seu olhar me entregou o seu breve destino.

Quando ela me viu, logo disse: estou arrependida. Meu coração foi a mil. Eu quis ignorar o que ela disse, pois ia de encontro com o que eu estava sentindo.

Mas antes de acontecer qualquer coisa, ela esperou eu chegar. Ela passou mal apenas enquanto eu estive lá, nos horários de visita. Assim eu pude estar com ela. Como se fosse: como ela está aqui poderá perguntar por mim. Não passarei mal sozinha.

Na UTI conversei muito com ela. Os médicos riram das perguntas que fazia para testar a lucidez dela. Pra fazê-la ser positiva. Pra dizer que ficaria ali.

No outro dia a fui as 11h da manhã. Ela estava melhor que o dia anterior. Ela não quis comer. De novo. Estava há dias sem comer, sem evacuar.

Meu coração estava apertado. Quando insisti para que comesse, ela ficou brava.

Antes de terminar a visita eu a beijei na testa, disse que a amava e pedi que lutasse pra viver. Eu pedi pra ela lutar pra viver.

Sai do quarto.

Antes da visita das 17h, eu comprei a cinta que ela usaria. Antes da visita, encontrei um anjo que disse que poderia voltar pra Londrina. Ele a visitaria todos os dias. Levaria lanchinho e conversaria com ela, até que eu retornasse no sábado.

Logo subi. Mais pessoas esperavam a visita da UTI.

em seguida a enfermeira saiam, liberando todos, pois havia um paciente grave e, portanto, não haveriam visitas.

Questionei a atitude na hora, já que devíamos saber quem estava passando mal.

Em algum momento meu coração apertou. Pedi que entregasse a cinta pra minha mãe.

Dali a pouco ela voltou, dizendo que não precisaria.

Eu cai de joelhos. Ali. Eu pedi a Deus a 3ª chance. Eu pedi. De todo o meu coração. Nos meus ouvidos ecoavam o barulho de parada cardíaca, mas eu fingia não escutar este som.

Eu cheguei a pedir a Deus ao menos um coma para poder vê-la mais uma vez. Foram minutos de tortura. Meu celular não parava e tocar. Aquela UTI parecia a cena de um filme. Todos os funcionários entraram e saíram daquela sala. Correndo.

Quero crer que fizeram, realmente, de tudo, mas ela não resistiu. Não foi infarto, não foi rejeição do rim, talvez uma trombose mesentérica, creio que consta no atestado.

Os 3 médicos que participaram das 2 horas de procedimento antes do óbito me afirmaram que ela não reagiu a nada do que fizeram.

Ela sentiu uma forte dor, logo ficou inconsciente. O coração, ao invés de acelerar, manteve-se estável. Independentemente do que fizeram estava estável. A pressão foi caindo, mas o coração estável.

Comparando com um infarto fulminante, ele explicou, este seria um mega fulminante, porque foram 2 horas apenas, algo totalmente fora do normal.

Ela faria cateterismo e tomografia no outro dia, mas precisava sair da UTI, não deu tempo.

Ela se foi.

Ela morreu e eu não sabia o que fazer. A notícia e o "piiiiiiiiiiiiiiii" ressoavam na minha mente. Era mentira. Só podia ser.

Sei que a morte é algo de uma complexidade imensa para nós. Mas aprendi a entendê-la e compreender os motivos da morte e as vezes até da nossa vida.

Fica em mim a saudade. Não é tristeza, é saudade.

Saudade as vezes, não é só a distância ou ausência, mas a certeza de não poder reencontrar.

O que quero dizer é MUITO OBRIGADA.

OBRIGADA por, em minha grande ausência física, a abraçarem;

fazerem-na rir;

chamar a atenção com a alimentação;

ouvir os desabafos dela e consolá-la;

animá-la;

divertí-la;

cuidar dela.

OBRIGADA a todos. A você Eber e Fábio que sempre me atenderam e sanaram as dúvidas que eu tinha. Por me deixarem mais tranquila em relação aos meus medos.

Por sorrirem pra ela quando eu não pude sorrir.

OBRIGADA pelo carinho que sei que tiveram.

Não quero dar nomes, pois vocês saberiam citá-los melhor que eu. Assim não seria injusta.

Uma vez uma parente me disse: nossa, sua avó morreu e nem um vaso de flor você leva no túmulo dela.

Eu respondi: as flores que eu tinha que dar, dei em vida. Ela as pegou, cheirou e me agradeceu.

As flores que eu tinha de dar a minha mãe eu dei.

OBRIGADA pelas flores que deram a ela.

O MEU MUITO, MUITO OBRIGADA.

Ela descansou em paz.

Uma homenagem à minha mãe que faleceu em 31/08/2015 as 18:10 no Hospital Evangelico em Curitiba 4 dias após o transplante renal.

PAULA RAZZABONI
Enviado por PAULA RAZZABONI em 30/09/2015
Reeditado em 30/09/2015
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