PALAVRA, SUMO DE VIDA
Ana Hatherly (1929 – 2015)
PALAVRA, SUMO DE VIDA – Frassino Machado
“À memória de Ana Hatherly”
- Tu, palavra, que foste profecia e mito
E foste em mil roupagens luz de um só farol;
Tu hoje, e agora mais que nunca, és um grito
Que faz de ti a gémea irmã da luz do sol.
Tu, palavra, que já foste um bem-vindo logos
Naquele sentido claro em recta distinção;
Tu hoje és lenitivo que dilata os fogos
E que suporta o poder da imaginação.
Tu, palavra, que já foste a mais pura imagem
Do ingénuo culto da ancestral idolatria;
Tu hoje és o supremo traço da paisagem
Daquele encontro de firmeza e fantasia.
Tu, palavra, que já foste um nobre estatuto
Na boca de oradores sem constrangimento;
Tu hoje és indelével chama de conduto
Na alma genuína do humano sentimento.
Tu, palavra, já foste cinzelada com´ Arte
E serviste de vida em franco testemunho;
Tu hoje és pioneira num tenaz combate
Que faz esvoaçar espada em cada punho.
Tu, palavra, que já foste berço de ideais
E navegaste pelo mundo em caravelas;
Tu hoje és a matriz dos cálamos digitais
No horizonte das madrugadas mais singelas.
Tu, ó palavra, paradigma de memória,
Que sempre te vestiste em branca identidade;
Tu hoje tens em cada página de história
Reconfortante sumo de vida e verdade.
Tu, ó palavra - palavra falada ou escrita -
E que às globais marés terás de estar sujeita;
Lembra-te bem qu´ és livre, mesmo interdita,
Pois, por veredas tortas, seguirás direita!
Frassino Machado
In MUSA VIAJANTE