O PROFETA DO ESPÍRITO
“À memória de Raul Brandão” (*)
Profeta do Espírito, palavra amena
Cuja raíz habita dentro de si mesmo,
Em virtuosas e sadias engrenagens,
Qual espelho de clara alma bem serena
Donde emergem figuras de um sentir a esmo
Na subtileza das Impressões e Paisagens.
Profeta do Espírito, na tela alucinante,
De um cálamo fremente em traços de mil cores,
Perene acervo de quadros e de aguarelas
Com focos vivenciais de luz cristalizante,
Representaste bem, num palco de esplendores,
A História de um Palhaço em praças e vielas.
Profeta do Espírito, em ritual secreto,
No altar sagrado de um sonhar insatisfeito
Tão perto da virtude como da miséria,
Num horizonte vago de um olhar discreto,
Soubeste, mesmo assim, diferenciar direito
Todo o mister d´ O Padre em litania séria.
Profeta do Espírito, de ambígua andança,
Perto da infinitude e da trágica devassa
No voltear das marés de imensidão,
Ousado marinheiro em ondas de mudança
Içaste o teu batel à cara da desgraça,
Sempre no primeiro acto d´ A Farsa da ilusão.
Profeta do Espírito em deslumbramento
Colado à rebeldia, à roda do abandono,
Sabedor da abjecção e do cruel desprezo,
Buscando no monturo o pão e o excremento
Dos velhos sem idade e sem direito ao sono
Tal qual vida d´ Os Pobres com o ódio aceso.
Profeta do Espírito, tenaz aventureiro,
Iludiste por bem os maiorais da vida
Antes que fosses iludido pela vaidade
E, sendo livre num caminho justiceiro,
Criaste em ti uma hombridade renascida
Que nem El-Rei Junot com sua honestidade.
Profeta do Espírito, avesso à promoção,
Homem de um só carácter e de uma só fé,
Entre o dia e a noite fugiste do ludíbrio
Como um nobre oficial na sua condição
Em alma alcandorada entre a proa e a ré
Como n´ A Conspiração fazendo o equilíbrio.
Profeta do Espírito, e da fiel grandeza,
De cardos semeado p´ la mente auspiciosa
Arando resistente e entrando nas regueiras
Da terra enegrecida plena de aspereza,
Mas de colheita breve e sempre deleitosa,
Com o Humus do suor, coberto de canseiras.
Profeta do Espírito, talento anunciado,
Longe mas sempre à vela na palavra nova
Retocada p´ los ventos da oportunidade
Sem ficar para trás, p´ lo faro incentivado
Fizeste trampolim de crónicas à prova
Nas Memórias viçosas de alta qualidade.
Profeta do Espírito, e alma de artista,
Cinzelador de vivas letras mas sombrias
Num logos criador de drama e de ternura
Juiz das emoções, contornadas e revistas
De forma magistral, sem falsas serventias,
Qual Teatro engrandecido ornado de loucura.
Profeta do Espírito, Galaaz audacioso
Em busca do debate da humana condição,
Tantas encruzilhadas, sendas retorcidas,
E tantas as roupagens de gesto oficioso
Duas faces de moeda, em contradição,
O Gebo e a Sombra de atitudes remoídas.
Profeta do Espírito, nauta inveterado,
Sem ter medo das vagas ou das vis procelas
Vagueando p´ las colinas e margens areadas
A ouvir os gritos de um mundo desesperado
Sem pão, sem crença, com lágrimas e mazelas
Tal qual Os Pescadores de vidas condenadas.
Profeta do Espírito, intrépido viajante,
Nos infindáveis horizontes, em sete mares
De um vil Adamastor, sereias pervertidas,
Tu navegaste, à luz duma estrela cintilante,
E sempre te afastaste d´ astros singulares
Na descoberta das Ilhas Desconhecidas.
Profeta do Espírito, das convicções-farol
Com jactos luminosos de prata branqueada,
Qual fonte destilando gestos e ardores
Que fez de ti um sempre vivo girassol
Mostrando desde cedo, na alta madrugada,
A Morte do Palhaço e o Mistério das Árvores.
Profeta do Espírito, génio afectuoso,
Num estro de partilha bem estruturante
Na traça dos enredos, de cunho teatral,
Sempre admirados por um público generoso
Emparelhado pela Águia de Amarante
Jesus Cristo em Lisboa, aposta magistral.
Profeta do Espírito, da mente integral,
Sem subterfúgios no teu mundo de opções
Sempre correcto nas condutas e valores,
Matando p´ la raiz a hipocrisia venal
Convencendo, nos desonestos corações,
Antes ser Avejão que artesão de horrores.
Profeta do Espírito, o grande disponível,
Perenemente amante, difusor de amigos
Numa amizade pura, sincera e cristalina
Nos teus bondosos olhos era bem visível
E relevaste, na pronta ajuda nos perigos,
Portugal Pequenino, com Maria Angelina.
Profeta do Espírito, sim, e da sorte,
Da sorte que ilumina os predestinados
E nessa mesma luz dás força ao porvir
De todo o ser humano, com indigno porte,
Que sonha desviar-se dos agrestes fados
Mesmo que num destino de Pobre de Pedir!
Frassino Machado
In CANÇÃO DA TERRA
(*) – Poema dedicado às gentes de Nespereira