Detalhes de uma morte.
Muitas vezes, quando recebemos a notícia de que um ente querido faleceu, entramos em estado de choque. Afinal, lidar com a morte não é, e nem nunca foi fácil. A Morte para muitos pode ser sinônimo de tristeza, para alguns, ciclo natural, para outros, mais uma forma de ganhar dinheiro e para mim, posso dizer com certeza que foi a bagunça da minha vida. Ir até a UTI naquela semana e te ver quase todos os dias e não poder ouvir sua voz, não poder ver seu sorriso quando meu irmão te fazia cócegas, não poder sentar em seu colo e te encher de beijos, ver seu rosto pálido, suas mãos enxadas, não conseguir ver melhora alguma, ter 5 minutos de visita era tão pouco, mas ao mesmo tempo o suficiente para me fazer sentir péssima porque jamais pensei em te ver naquela situação! Nunca vou me esquecer do dia 27 de Dezembro de 2013 quando às 01:15 da manhã você foi “arrasar” em outro lugar. Fico pensando que se talvez eu não tivesse na sala para atender ao telefone naquele dia, hoje quem sabe você estaria aqui para poder comemorar mais um ano de vida, comemorar suas bodas de ouro, estar aqui quando sua netinha mais nova completou a maior idade, ir a minha formatura, passar algum aniversário ao meu lado... Porém, eu atendi e recebi a pior notícia da minha vida! Quando o enfermeiro me informou do que havia ocorrido não me lembro de desligar o telefone ou falar algo com ele, me lembro apenas de sair pelo corredor da casa indo ao encontro do meu pai e chorar, gritar, me esconder na dispensa e ficar lá no chão por alguns minutos, tentando entender porque aquilo estaria acontecendo, como assim você me deixou? Nem ao menos pude me despedir ou então tentar me acostumar com a ideia de não te ter por perto... Ir até a funerária e ver você ali com uma camisa de força praticamente, com os olhos e boca aberta, sua mão gelada, seu cabelinho todo bagunçado... Fez meu coração acelerar e eu tive a sensação de que ele quase ia “sair pela boca”. Mas o seu já não batia mais. Ter que escolher a última roupa que você usaria, assinar papéis, decidir qual caixão era o mais confortável para você, colocar flores ou não colocar, com toda certeza não foi a minha experiência mais agradável. Nesse momento me sinto anestesiada, é como se o mundo tivesse parado ou ficasse em câmera lenta e eu fosse movida por uma força da qual eu desconheço. Não pensava em nada. Fazia apenas o que tinha que ser feito. As lágrimas que caiam dos meus olhos eram sim de dor, mas é como se naquele momento a dor maior estivesse me corroendo por dentro! Olhava pro caixão, olhava pra você e sinto como se não estivesse ali e nada daquilo estivesse acontecendo, na minha cabeça você só estaria dormindo. Ficava irritada com todas aquelas pessoas em volta de você, te tocando e atrapalhando seu soninho. Não ouvia nada praticamente, era como se tivesse um bichinho zumbindo dentro do meu ouvido o tempo todo, meus olhos enxergavam a situação, mas a minha mente não entendia, não correspondia a minha visão. Meu corpo estava como se tivesse levado a pior pancada do mundo, me sentia cansada, os movimentos que fazia não eram meus, como disse, era uma força desconhecida que me movia. Ao longo do dia, não senti fome, mal sentia coisa alguma, apenas aquela sensação de perder o chão! Mas quando enfim aquele caixão fechou, fiquei louca. Naquele momento é como se a ficha tivesse prestes a cair. Na minha cabeça eu pensava: “gente abre logo isso ai, ela vai ficar sem ar”. Quando vi a terra sendo jogada em cima de você senti uma vontade louca de gritar e pedir para pararem com toda aquela prática necessária para se fechar uma cova, um túmulo, pois de certa forma algo dentro de mim começou a gritar dizendo que sim, ainda tinha esperanças que você voltasse. Mas eles continuaram e quando tudo “acabou” a cova foi fechada, a minha mente não parava de pensar que você estaria ali dentro tentando sair, se sentindo sufocada e nesse momento fiquei com os olhos e ouvidos atentos esperando algum sinal para quebrar tudo e te “salvar”. Não queria te deixar ali, porém a razão, bendita razão, me anestesiou novamente, e fez com que eu entrasse no carro e fosse pra casa, para a sua casa. Chegando lá me sentei em seu sofá, e por um breve momento te via sentada ali, na poltrona que você tanto gostava, com uma das mãos por detrás do pescoço tentando ter um pouco de sossego, afinal, seus netos te deixavam louca. Ou simplesmente sentada ali passando aquele famoso “sebo de carneiro“ nos pés. O dia foi longo, mas enfim a noite foi chegando e com ela te via em cada cômodo, te sentia em todo lugar. Seu cheiro inconfundível não saia do meu nariz. Ali, naquele momento toda a anestesia se foi e pude então perceber que você teria ido embora e não voltaria nunca mais. Olhar suas roupas e imaginá-las em você, em cada momento que passei ao seu lado era terrível. Não dormia, e quando enfim conseguia pregar os olhos por alguns instantes, eu sonhava com você, sentia você, queria você. Um ano se passou e desde aquela data, meu Natal, ano novo, dia das mães, minha vida de forma geral nunca foi e nunca será mais a mesma sem você. Confesso que foi muito difícil, mas consegui. Passei a acreditar no clichê: “ela está bem agora, não está sofrendo mais...” e talvez por isso, sinto que hoje não dói tanto quanto ontem e amanhã sei que pode doer menos, até porque, com o passar dos dias a dor vai se transformando em saudade e faz com que ao invés de lágrimas, saiam sorrisos por lembrar de momentos maravilhosos ao seu lado. Às vezes vou até me esquecendo do seu rosto e sei que isso é horrível, pois muitas vezes preciso de fotos e vídeos para poder me lembrar de quão linda era sua boca e como ficava charmosa quando me olhava por debaixo dos óculos. Seu narizinho, sua mão branquinha com algumas pintas, o cabelo sempre arrumadinho para trás, cada mês uma coloração diferente para depois voltar para o lindo grisalho. As unhas sempre pintadas no tom claro ou um rosinha... E apesar de tudo sua voz sempre me vem à cabeça e jamais vou esquecer do que passamos juntas! Hoje “don clalice” provavelmente já estaria te ligando para desejar um feliz aniversário e a cesta de café da manhã já devia estar por ai, cheia de gostosuras como diz meu Vô. Ou então uma Orquídea que você tanto gostava (você sempre amou plantinhas, suas violetas eram as mais belas)... Porém, isso nunca mais vai acontecer. Não vou te ouvir dizer: “Imagina Thalyta, não precisava disso, é um dia normal”, não irei te abraçar e beijar quando chegar ai às 06 horas da manhã gritando pedindo para você abrir o portão. Não poderei gritar com meu irmão no mercado: Vó sua gostosa, ou então Rainha...
Agora só posso falar com suas fotos, vídeos e com as lembranças que me vêm à mente e ao me referir a você só posso falar com o verbo no passado. Jamais me acostumarei com sua ausência e sei que talvez eu não tenha dito tantos: “Eu te amo” como deveria, porém a senhorita sabe que todas as vezes que eu os disse foram realmente verdadeiros e na maioria das minhas atitudes aprendi a demonstrar amor, assim como em tudo que você fazia, sentia amor. Até consegui fazer o seu famoso bolo de cenoura, mas jamais ficará como o seu, justamente pela pitadinha de amor que você colocava. Muitos ainda têm uma vó. Eu? Me considero a garota mais sortuda do mundo, pois tive a melhor. Tive a melhor mãe, amiga, companheira, cozinheira e melhor tudo do mundo. Algumas pessoas dizem que quando as pessoas morrem, elas viram estrelas, vai ver é por isso que quando olho pro céu tenho a sensação de te ter por perto. Olha vózinha, se algum dia eu te encontrar, saiba que se verá um pouco em mim, pois o pouco que sou hoje tem muito de você. Minha eterna Rainha!