Rolando de biquíni sem parar
Anos 80. Adolescente. O mundo, um vasto território a ser desvendado. Todos os dias uma descoberta: novos cheiros, novos paladares, novos visuais, novos sons. E novos sons eram a temática de um garoto que sempre se viu seduzido por eles, os sons. Eu – pelo menos – já conhecia os Beatles e Rolling Stones (com preferências declaradas pelo primeiro), alguma coisa de heavy metal, soul music, motown; Já existia em meu universo até Michael Jackson... Mas Blues... blues para mim era somente uma cor, não um sentimento, um “modus vivendis”. Inclusive já ameaçava alguns acordes ao violão, mesmo sem saber o que era uma Fender, uma Les Paul, uma Gibson, quem dirá uma LUCILE, ou qualquer outro tipo de guitarra.
Até que em um dia, após longo e tenebroso inverno... No Brasil se respiravam novos ares e começaram a aparecer bandas de rock nacionais, onde antes era um cenário cem por cento dominados pela MPB e por seus Chicos e Caetanos (nada contra).Como não pode deixar de ser – no Brasil – nada é totalmente puro, tudo tem que ser miscigenado. Com estas bandas não foi diferente.
Apareceu uma banda com um algo a mais, um balanço, um swing, uns compassos estranhos, uns balanços diferentes de rock’n roll a que eu e meus ouvidos não estávamos acostumado; umas letras complexas também. Recordo-me que em uma destas letras falava algo desconexo, sem sentido algum que eu – certo de ter ouvido corretamente – cantava a plenos pulmões.
A banda era a BRYLHO do Claúdio Zoli, a música era: Noite do Prazer e o trecho que eu cantava erroneamente pensando estar abafando era: Rolando de biquíni sem parar.
Um amigo, também músico, certo dia ouviu-me cometer este sacrilégio com a letra desta música e corrigiu-me:
-Cara O Zoli está prestando homenagem a B.B. King. Que coisa é esta de rolando de Biquíni?
- B.B.King? O que é isto? É de comer?
-Não acredito que você ainda não conhece B.B.King, um monstro do blues, da guitarra, da Gibson... Lucile...
Este amigo me emprestou um ou dois “discos” (perdoem-me, mas isto foi antes do CD e da internet). Corri para casa e para minha “radiola”; quase furei os discos do amigo de tanto que escutei. Descortinou-se um novo mundo auditivo para mim.
B.B.King e Sua Lucile (uma Gibson, tenho que enfatizar) eram a tradução do melhor que a música me poderia oferecer; cada lick, slick, bend feito pelo mestre me transportavam literalmente a universos e galáxias nunca antes imaginados. Desnecessário dizer que procurei aprofundar meus estudos em BLUES e até hoje – músico frustrado, mas persistente e dedicado – ainda não pude comprar um Gibson, embora o amor pelo instrumento, pelo Blues e B.B. King ainda persistam...
Esta semana acordei com a triste notícia que Lucile, por força do destino, da vida que sempre se amasia com a morte, do inevitável, do inexorável, foi obrigada a silenciar. Suas cordas irão enferrujar por falta de uso, desafinarão por falta do aperto do mestre. A poeira irá corroer a pureza do som de seus captadores; Talvez a nobre madeira de seu corpo apodreça por falta do calor da proximidade do seu amado; os trastes e o “braço” empenarão por não haver quem os acondicione e cuide com o devido respeito.
Agora ela vai ficar ali, largada em num canto qualquer, ignorada, desprezada. Pode ser até que alguém da família resolva confiná-la em uma caixa de acrílico transparente, em um museu - para visitação - muda silente, inerte, um pedaço de pau inútil, com cordas mudas... desligadas. Um triste fim para quem, com seu parceiro, encantou o mundo por gerações e gerações.
B.B.King Morreu.
veja a homenagem que o mestre fez a Lucile ao final desta apresentação: https://www.youtube.com/watch?v=4fk2prKnYnI
175 2015