MINHA MÃE

O pouco tempo que passei com minha mãe foi suficiente para conhecer uma pessoa linda, um espírito de muita luz, que não hesitava em socorrer as pessoas que dela necessitassem. Uma mulher de fé. E foi ajudando o próximo que ela me ensinou a costurar.

Ela modista e bordadeira formada, com direito a diploma e eu com apenas 6 ou 7 anos, compartilhávamos as atividades na confecção de vestidinhos que ela doava para algumas crianças de Ventura, no dia de Cosme e Damião.

Como esquecer? À tarde, uma farta mesa de bolos e doces era servida exclusivamente às crianças. Nada deveria ser desviado do seu destino. Aí então eram distribuídos os vestidinhos e mamãe fazia questão que eu participasse desse ato, para que eu sentisse o quanto é gratificante doar, principalmente quando essa doação é acrescida de amor e dedicação.

À noite, era a vez dos adultos homenagearem os Médicos Gêmeos. No cantinho da sala era arrumado um pequeno altar com flores e a imagem dos Santos Doutores. As rezadeiras oficiais do lugar eram encarregadas de “tirar o bendito”, assim se falava dos cânticos. Papai cuidava da fogueira e dos foguetes, não existiam os rojões, não por lá. Era uma festa! Ainda consigo visualizar Dona Linda, com o seu vozeirão, sabia todos os hinos e rituais da igreja. Dona Marôta, especialista em flores de papel crepom e de seda era responsável pela decoração dos altares e “andores” que deixavam a Igreja de Santa Rita impecável, e tantas outras pessoas que nos prestigiavam com as suas presenças e continuam vivas em nossa memória.

Se alguém adoecia, mandava logo avisar a Dona Regina ou “Comadre Rege” e ela sem demora arrumava uma “bocapiu” com alimentos que pudessem ser consumidos pelo doente e remédios necessários e imbuída de muita disposição para o socorro, convocava Dalva, a esposa do meu tio e rumavam quilômetros a fora, de ladeiras e vegetação.

Poucas eram as famílias onde ela não tinha afilhados.

Uma coisa que sempre me emociona é encontrar pessoas que a conheceram e constatar o respeito e a admiração de quem se lembra dela como um ser especial, iluminado e muitas vezes, presenciei essas pessoas tirarem o chapéu e reverenciarem seu nome, como o de uma santa.

Desde os cinco anos aprendi a fazer sapatinhos de tricô. Mamãe costurava as roupas para os batizados e eu fazia os sapatinhos que eram encomendados com bastante antecedência. Quando chegava o “Dia da Missa” eu via o meu trabalho recompensado e sentia o enorme prazer da conquista. Não tínhamos acesso a Poupança, então ela me orientava a comprar algo que eu quisesse muito. Uma das vezes lembro que comprei uma saia plissada (muito chique) era vinho com uma barra branca e uma sandália japonesa, sucessos do momento. Como sabíamos? Através de revistas e amigos que residiam na Capital. Eu me sentia nas nuvens e ela fazia questão de enfatizar que eu tinha conseguido com o meu trabalho.

“Estude e trabalhe bastante. Conquiste o seu espaço, sua independência e nunca esqueça que antes de ter um marido você precisa ter um emprego.”

Essas palavras proferidas por uma mulher nascida em 1926, quando a educação feminina era inteiramente voltada para o casamento, são deveras extraordinárias.

Também com ela aprendi a ler. Aos seis anos já lia “de carreirinha”, a minha primeira cartilha – Sarita. Entrei na Escola já alfabetizada.

Por ocasião do seu retorno à Pátria Espiritual, eu contava com apenas dez anos. Tomei a decisão de mandar celebrar uma missa em sua intenção. Sem que ninguém soubesse fui até a Catedral e perguntei ao Monsenhor Santiago, quanto custaria uma missa para a minha mãe e ele, generosamente me respondeu: “Filha, uma missa para sua mãe, não tem preço. Não tem dinheiro que pague. Não se cobra uma missa para alguém como ela.” E ele rezou a missa, com a igreja cheia de pessoas que pouco a conheceram, mas que vinham todos os dias à nossa casa saber notícias do seu estado de saúde e que choraram a sua partida como se a tivessem conhecido sempre.

Assim era a minha mãe. Linda, educada, porte de rainha e doçura de camponesa. Amada por toda a família e adorada por todos que a conheceram. Uma mulher carismática, que ainda no início dos anos 60, me ensinou a lutar pelos meus projetos e sonhos.

Fátima Almeida

Dia da Missa - 22 de Maio, quando se festejava Santa Rita de Cássia, a padroeira local.

Bocapiu - sacola de palha, produzida artesanalmente na Bahia, e utilizada nas feiras livres para levar, trazer e trocar elementos necessários a vida.

A Poupança é a mais antiga forma de aplicação oficial do Brasil, tendo seu surgimento ainda no século XIX, junto com a Caixa que foi um banco criado com o objetivo de recolher os depósitos dos brasileiros (principalmente os menos favorecidos financeira e socialmente). Em 1861 o então Imperador Dom Pedro II afirmava que “A Caixa Econômica estabelecida na cidade do Rio de Janeiro (...) tem por fim receber, a juro de 6%, as pequenas economias das classes menos abastadas e de assegurar, sob garantia do Governo Imperial, a fiel restituição do que pertencer a cada contribuinte, quando este o reclamar (...)”.

O nome caderneta deve-se ao fato de que os depositantes da Poupança tinham uma caderneta de controle para aplicações e resgates.

Fonte de Pesquisa: Google

Fátima Almeida
Enviado por Fátima Almeida em 04/05/2015
Código do texto: T5230215
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.