ONDE ESTÁ A FELICIDADE?

Numa manhã fria de geada, cuja temperatura na madrugada ficara abaixo de zero, eu fora para o trabalho com agasalho de ginástica, mijão, meia de lã, comprida até o joelho, por cima da meia normal e tênis para enfrentar o frio que fazia na fábrica. E naquele dia eu ia trabalhar analisando o fluxo e controle de materiais recebidos, com especial atenção para a matéria prima principal, a soja.

O piso da portaria era revestido de cerâmica e como em toda fábrica que conheci neste país, a portaria é o lugar mais desconfortável que existe para o empregado. Não há ar condicionado. Sentem-se calor e frio em demasia pelos pobres porteiros! Na madrugada passada não ouvi nem canto de galo, creio que até eles sentiram o frio nos pés e canelas, pois são os únicos lugares sem plumas. Eu sentia frio até nos ossos da canela.

Fora da portaria, vi, tomando uns tênues raios de sol, uma senhora e uma menina, ainda criança com uma calça de flanela, apenas com uma sandália do tipo havaiana, com os pés totalmente nus. Dirigi-me a elas e ofereci minha meia de lã que se a menina calçasse alcançaria ate as virilhas e eu ficaria menos compadecido e com a alma reconfortada. A senhora com um lindo sorriso, agradeceu-me e disse:

- Muito obrigada, meu senhor. Ela tem agasalho, mas não quer usar. Gosta do frio. Nós moramos na serra catarinense e estamos, quero dizer, ela está acostumada. Estamos só esperando meu marido voltar da descarga e logo vamos para nossa casa. Estamos viajando há quase um mês e só viemos encontrar frio aqui no nosso sul. Estamos perto de nossa casa.

Essa resposta me deixou curioso e fiz várias perguntas que ela respondeu com muita firmeza e com toda modéstia e eu via que era prazeroso para ela contar um pouco de sua vida. Ela me disse que antes de conhecer seu marido, que já era caminhoneiro, trabalhava como balconista. Tão logo se conheceram, casaram-se e como ele ficava muito tempo viajando, resolveram viajar juntos. Fizeram da boleia o dormitório e dividiram a direção para se cansarem menos. Viajavam assim há mais de vinte anos por todo o país. Chegavam a ficar meses longe de casa. Quando engravidava, ficava na serra e, após o parto, tão logo pudesse dirigir, voltava para a estrada. Adorava viajar com o marido. Os filhos, mais dois guris, ficavam com a mãe dela e matavam a saudade pelo amigo telefone. Vi muitas mulheres caminhoneiras e sempre pensei que fossem “gays”, mas aquela era mulher de verdade, nada tinha de suspeito e falava com muita feminilidade. Minha curiosidade aumentava e, então, atrevi-me a fazer-lhe uma pergunta:

- E a higiene, como fica?

- Não há problema, não. Disse ela. - Os postos onde a gente pernoita, são bem providos de banheiros masculinos e femininos com sanitários próprios para o que as mulheres precisam. Alguns têm até lavanderia. Caminhoneiras como eu existem muitas pelas estradas deste país.

- Parabéns a vocês! Disse eu. – E que tenham mais filhos!

- Ah! Não, agora não. – Meu guri mais velho já está com dezenove anos, cursando faculdade e o outro terminando o colegial e ela vai voltar para a escola, embora não goste. Quando está em férias ela gosta de viajar com a gente. Nós também vamos tirar uma semana de férias para curtir com os parentes. Nossas férias são passadas em casa, na nossa cidade, onde temos muitos amigos e muita festa.

Essa conversa curta com essa senhora fez-me esquecer do frio. Eu via felicidade e alento nela. A vida que ela gostava de viver é das mais duras e, no entanto, ela era feliz, melhor dizer: - Eles eram um casal feliz, uma família feliz. Então vi que a felicidade está onde nós a queremos que ela esteja e para isso é necessário apenas que haja reciprocidade e aceitação. Não há necessidade de riqueza ou cultura. Eu começara bem meu dia vendo uma pessoa humilde, de profissão difícil, mas plena de felicidade. Foi um bom dia para mim e um bom exemplo de vida.

Esta crônica é dedicada a todas as mulheres pelo Dia Internacional da Mulher, amanhã, dia 8 de março, mas em particular às guerreiras de minha família, principalmente minha Mãe que conheceu a dureza da lavoura, criou quatro filhos e viveu até 95 anos e minhas irmãs, primas e tias que também tiveram vida muito difícil. Parabéns a todas as mulheres.

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 07/03/2015
Código do texto: T5161210
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