Meu Jaó

Inspira-se numa produção de Ene Ribeiro, mas não tem aquela bela plumagem, nem vive a reinar pelo cerrado. Assunto encerrado? Não, tão-somente começado - e num meio urbano adiantado, encenado. Mas não em Senado, onde reina tanto ego inflado. E disso já falava o isento e ilibado Machado.

Meu Jaó, portanto, longe de ser santo, vivia confinado num escritório de repartição, de vasta e frequente movimentação, tanto dum lado quando doutro do balcão.

Jaó não se aplicava tanto ao trabalho, mas vivia pondo sentido em tudo, por não ser nenhum paspalho e achar-se dono de voz de veludo. E na pura fantasia vivia no que ao sexo oposto concernia. Nascera com essa virtude, que ao longo da vida docemente nos ilude.

E toda vez que entrava uma nova funcionária no serviço, que o Jaó irrefreadamente admirava, era aquele reboliço sempre pronto, em tese, e tesão - mas só na imaginação - a usar o roliço, mesmo já tendo, de longe, perdido o viço. Mas o Jaó não se dava por vencido. Ao ouvido de cada colega varão, cochichava, bem Dom Ruão, apontando discretamente para a donzela da vez:

- Ó, aquela ali eu - e fazendo o clássico gesto com as duas mãos - aquela ali eu já ó...

E galhardamente, até se aposentar, não tergiversou: o apodo Jaó ostentou. Depois, se não casou, não emudeceu, nem se mudou.

- Aque

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 05/03/2015
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