70 ANOS DE AUSCHWITZ

70 ANOS DE AUSCHWITZ

Por Sérgio Quixadá

Em um almoço na casa de amigos austríacos e alemães nos arredores de Viena, comunicamos que iríamos ao campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. Após o olhar intrigado, foram lembrados do fato de eu ser historiador e ter ascendência judaica.

Não se trata de um passeio, mas de uma visita, com todo o respeito possível. Aquele lugar marcou o martírio de centenas de milhares de pessoas. Andei por vários locais vendo imagens que me eram familiares no preto e branco de antigos documentários. Na realidade é o complexo Auschwitz-Birkenau. No primeiro ficavam os homens e, no segundo, mulheres e crianças. Ao descerem do trem, eram divididos em duas filas. Em uma ficava os que poderiam ser aproveitados e, na outra, os que seriam mortos. Eu pensei que sairia incólume. Visitei os vários prédios onde tantos viveram o horror e a degradação. O Pavilhão onde Joseph Mengelle fazia experiências com pessoas sem anestesia, tendo predileção por crianças gêmeas. Em um dos corredores, várias fotos de prisioneiras com as cabeças raspadas e pijamas listrados. Percebi que muitas delas tinham um olho olhando em direção diferente do outro. Muito provavelmente haviam sido deslocados pelos constantes espancamentos.

Auschwitz-Birkenau era, literalmente, uma indústria da morte. Tudo era anotado, tudo era reciclado, visando dar lucro aos líderes da SS. Na entrada os dizeres "Arbeit macht frei" (o trabalho liberta). Vi montanhas de sapatos, pilhas de panelas, montes de próteses, pilhas imensas de pinceis de barbear e escovas de dente. Montanhas de óculos e cabelos (estes, por serem resíduos humanos, não podiam ser fotografados). Aliás, um dos “produtos” expostos era um longo tapete em rolo, como os que estendem nas igrejas. Estranhei sua cor castanha. Sim, era feito de cabelo humano. Uma boneca, sapatinhos de crianças, e malas, uma quantidade imensa de malas, com os nomes dos proprietários escritos em letras grandes na promessa de que as receberiam de volta. Testemunhas silenciosas que gritavam aos nossos olhos. No local havia pilhas de latas de Ziklon B, o gás que era utilizado nas câmaras. As pessoas que seriam executadas recebiam ordens para se despir e correr até os chuveiros. Ao invés de água, eram lançados cristais de gás. A respiração ofegante da corrida acelerava o processo.

Nos bunkers da fome, cubículos onde eram confinados os que tentavam fugir, um prisioneiro não conseguia se levantar, pois o local era baixíssimo e apertado, sem arejamento, sem luz e sem sanitário. Quem fosse para um desses ficaria lá até morrer de fome e sede. Em um dos cubículos, me comovi com um buquê e o nome Maximilian Kolbe, escrito na fita. Lembrei-me quando, aos dezenove ou vinte anos de idade, idealizei uma peça sobre a morte desse padre polonês, franciscano e mártir, que se ofereceu como voluntário substituindo um prisioneiro judeu que disse que nunca mais veria sua família. Maximilian Kolbe resistiu dezenas de dias sem comer e sem beber. Seria morto com uma injeção letal.

Quando entrei na câmara de gás, senti estranhas energias, como se mãos tentassem se segurar em mim. Senti uma energia de ódio imensurável. Saí e fiquei tonto. Dei de frente a dois fornos crematórios. Lá fora, aqui e ali se via um jovem judeu com o olhar perdido, sentado em algum dos degraus dos pavilhões do campo. Ao sair fui informado: vamos agora a Birkenau! – Para mim já chegava, mas, fui. Em Birkenau, os famosos trilhos e um vagão da época. Vi os dormitórios e as degradantes latrinas coletivas para as mulheres. Muitos judeus estavam lá, inclusive uma banda militar de Israel fazia um cerimônia em frente a uma das chaminés dos crematórios. Ao final colocaram uma coroa de flores na forma da Estrela de Davi. Alguns crematórios dinamitados pela SS estão isolados para prospecção.

Em Auschwitz-Birkenau não morreram apenas judeus, embora estes representassem cerca de noventa por cento das vítimas. Morreram também Testemunhas de Geovah, homossexuais, ciganos, poloneses, prisioneiros de guerra russos, artistas, e quaisquer outros, de várias nacionalidades, que fossem considerados inconvenientes pelo sistema. Por volta de um milhão e trezentas mil pessoas morreram neste imenso complexo, sendo quinhentas mil por inanição e maus tratos. E existiram vários outros campos de concentração.

Conversando com uma amiga austríaca, ela me disse que alemães e austríacos sabiam sim do genocídio. Perto da casa de sua família havia um campo e de vez em quando passava um trem com vagões de carga fechados e os amigos do seu avô comentavam: lá vai outra carga de judeus para a morte! - O trem voltava vazio e de portas abertas.

Não pensem que todo nazista ou fascista usava uniformes, gritava palavras de ordem e tinha cara amarrada. Grande parte dos nazistas era formada por bons pais, simpáticos avós e jovens respeitáveis. Este é o perigo: são pessoas que dizem não saber de nada de errado. Mas apoiaram ditaduras. E como historiador eu digo: toda ditadura é assassina, paranoica e corrupta. Toda ditadura se diz patriótica. Nenhum país foi para frente com ditaduras militares. Até os do dito “Primeiro Mundo” foram levados à destruição e degradação por suas ditaduras militaristas, como a Alemanha, berço da filosofia ocidental e o disciplinado Japão. A Itália também foi destroçada. Um judeu croata sobreviveu aos nazistas e se tornou cidadão brasileiro: O jornalista Wladimir Herzog, que livrou-se do holocausto mas não sobreviveu à ditadura brasileira, sendo torturado e assassinado por estrangulamento em 1975.

Mussolini e Hitler subiram ao poder dizendo que iriam combater os comunistas. Esta foi a principal bandeira dos tiranos ocidentais do século vinte. E tanto na Itália quanto na Alemanha haviam milhares ou mesmo milhões de comunistas. Mas hoje, nenhum desses povos ousa justificar a ascensão dos fascistas ao poder. E em nome do combate ao comunismo, o ocidente foi varrido por tiranos que queriam se perpetuar no poder. Na Europa, existem partidos de direita e de esquerda, todos legítimos. Mas hoje, os europeus sabem que ser de direita é uma coisa. Já ser a favor de ditadura, não é ser de direita, é ser fascista. Quando da libertação dos campos em território austríaco e alemão, os aliados chamavam as pessoas da cidade para ver. Principalmente os notáveis da sociedade alemã. E os filmava diante dos cadáveres do sistema.

Coloquei aqui vinte e cinco fotos. São fotos de época em preto e branco e fotos que fiz no local. Que a humanidade não se esqueça. Como ditador, não quero nem Jesus Cristo!

Em 2001, conversando com Aleksander Henryk Laks, sobrevivente de Auschwitz, ao saber que eu realizava estudos sobre a intolerância, ele escreveu em seu livro de memórias:

“Querido Sérgio Quixadá. Que este livro te inspire para lutar por um mundo melhor e mais justo. E também que meu passado não seja o futuro de ninguém!”

- Amém, amigo Aleksander Laks! Amém!

Por Sérgio Quixadá

Sérgio Quixadá
Enviado por Darcy Pereira em 31/01/2015
Reeditado em 31/01/2015
Código do texto: T5120750
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