Tímido Zé, ou time do Zé?
Não conheci menino de minha Velha Serrana que não enchesse a boca ao confessar seu sonho de jogar no time do Zé. O Zé, e esta abreviação bastava, eram muitos, mas o que se bastava, e contava, era o José Emídio de Castro, que acabava ficando mais sonoro como Zé Emílio, ou Zeemilho. E olhando bem essa forma final e cabal, me dou conta agora que parece até um nome holandês, daqueles do futebol-carrossel que encantou o mundo nos anos setenta, Jesus Cruyif! Tiraram o Brasil da reta e do treta com um show de bola na semifinal da Copa de 1974, apesar do nosso loirinho Marinho, que até apanhou do Leão, nada mansinho.
Então, vamos de Zeemilho. Um biafro, baixim, jeito de arrogante e puxa saco dos ricos. Podia-se falar, pensar ou cochichar o que se quisesse, mas o Zé era um laborioso, um virtuoso, um vitorioso, um ídolo, um pai - ou um tio, vai.
Seu time tinha mais branquinhos e mauricinhos, é verdade. Treinavam no campo do Atlético, o time da elite da cidade, o que no entanto, não impedia a ascensão de meninos da periferia ou de variada etnia. Contudo era mais por capricho, ressentimento ou impotência que se criticava o Seu Zé. Que ele se consolasse com o Zagallo, o Telê e até com o Rinus Michel, que tiveram também os seus dias aziagos.
E vitória em cima de vitória, de exibições de gala iam comemorando os meninos do Zeemilho. Havia uma constelação deles, uma geração se sucedendo a outra. Eu peguei o tempo do Tiãozinho, um Maradona antes do Dieguito, o Matosinhos, o Ivan, mais terrível que o Tostão do IAPI, o Derlúcio, um digno sucessor nacional pra Obdulio Varela... e muitos outros. E isso sem contar os que já haviam subido pro time titular do Atlético, ou só pras arquibancadas, pra agora ver a juventude de bola cheia.
Não nego que tentei lá minha sorte, abandonando temporariamente as peladas rueiras, botando chuteiras pra ver se embicava naquelas aclamadas fileiras. Mas não deu, apesar do esforço meu. Precisava classe, algo mais. E uma das poucas alegrias que experimentei com o Zeemilho de testemuha foi um jogo-treino em que meu time, já formado de dissidentes e de descrentes, fez um gol no time dele. E de cobrança de falta de meu pé direito. Vivi um carnaval, estava vingado e ainda arrastei mala. Por uns quinze minutos, se muito, entretanto.
Logo o seu Zé reorganizou o time, botou um reforço, justamente o Bis, meu ex-colega de grupo escolar, e pronto: com pouco tava liquidada a fatura, em favor deles: 2 a 1. Mas como aqueles quinze minutos valeram e me lavaram a alma naquele piso onde a poeira costumava chegar às canelas, e se afundar nelas.
Mas uma coisa aprendi com o Zé: como dar passes direcionados com o mínimo de erro. E lá o vejo, de botinas surradas, usando o lado interno do pé, sem que barro ou poeira interfiram na direção do chute. Simples, não? Ele gritaria com sua voz um tanto esganiçada, mas atenta, e mais atenta, a molecada.
E não sei como o Zé ainda achava tanto tempo para dar oito horas diárias na fábrica de tecidos, frequentar igreja e movimentos paroquiais de orientação de jovens, monitorar retiros espirituais, viajar nos fins de semana com seu esquadrão de ouro, parar no meio da rua para ouvir uma piada ou puxar uma orelha, cuidar da família que crescia a cada dia, atender curso noturno até se formar no colegial - e vai ver até que, no recreio, ainda querer fazer peru, comigo no meio.