Naoko Takeushi

NAOKO TAKEUSHI
Miguel Carqueija

Querida Naoko:

Você tinha apenas 24 anos quando, em 1991, começou a desenvolver o universo ficcional de Sailor Moon, a Princesa da Lua Branca, e suas marinheiras-guerreiras. Com certeza, não podia prever que a sua criação, inicialmente em mangás, iria se tornar universal, abrangendo muitas mídias (televisão, cinema, brinquedos, acessórios, teatro musical, fanfics, cosplays, revistas, álbuns de figurinhas) e, afinal, impondo-se como a franquia japonesa de maior prestígio no mundo.
Mas o seu maior mérito — além do charme irresistível das personagens e da genialidade da história — é ter apresentado uma alternativa construtiva ao gênero dos super-heróis que, ao longo das décadas, tem sido predominantemente um fenômeno norte-americano (embora existam super-heróis na Inglaterra, México, Brasil etc. E muitos no Japão).
Quem conhece um pouco a história dos super-heróis sabe que antigamente — por exemplo, na década de 1950 — eles eram em geral ingênuos e saíam em revistas infantis, inclusive o Batman e o Super-Homem.
Dos anos 70 para cá foram se tornado cada vez menos infantis e, sim, cada vez mais violentos, agressivos, raivosos, em quadrinhos mórbidos e teratológicos, repletos de monstruosidades e lances assustadores. Vingativos e materialistas, tornaram-se também em grande número cínicos e mesmo amorais (como os de “Watchmen”).
É notório que os SH norte-americanos das editoras DC e Marvel utilizam poderes paranormais porém materialistas, porque baseados em fatores pseudo-científicos (como o Super-Homem, originados da radiação de nosso sol, ou o Homem-Aranha e Hulk, por influência de radiação atômica). Outros, como Batman e o Homem de Ferro, fazem uso de poderes tecnológicos.
Estava já nesse pé a corrupção dos super-heróis quando surgiu no Japão um sopro de renovação, uma personagem luminosa que trouxe uma guinada de 180 graus à tendência nihilista e violenta que dominava o gênero. Tinha de vir do Japão, um país místico, e não dos Estados Unidos, uma nação pragmática, dominada pelo materialismo prático, pelo consumismo, hedonismo e culto à violência.
Naoko Takeushi criou uma heroína doce, ingênua, quase infantil, capaz de muitas vezes se assustar ou então (quando não tem de salvar a situação) fazer coisas ridículas. Mas com essa pureza de coração Sailor Moon espalha o otimismo, o amor, a compaixão; sem um pingo de agressividade, ela não parte para lutas físicas, não bate em ninguém e não odeia ninguém. Dotada porém de aguçadíssimo senso de justiça, pronuncia discursos admiráveis diante dos inimigos. Catalisadora do amor, reune ao seu redor as demais sailors que a amam profundamente, como o seu romance milenar com o Tuxedo Kamen (Mamoru Chiba) é envolvente e comovente. E, herdeira do mítico Reino Lunar, ela ainda vem a conhecer a sua filha do futuro, Chibiusa, antes que ela nasça, através da viagem temporal. A saga de Sailor Moon, numa visão grandiosa, atravessa o passado, o presente e o futuro.
Sailor Moon discerne claramente entre o que é certo e o que é errado, combate o mal, mas procura modificar os maus, redimi-los. Entretanto as suas armas são místicas. Não mágicas como a varinha de Harry Potter, mas sobrenaturais, armas divinas: o cetro lunar, o sagrado cristal de prata, o Santo Graal. Ou simplesmente a força do amor. Realmente, ela declara mesmo ser uma guerreira “que luta pelo Amor e pela Justiça” – e quase não há episódio em que não pronuncie este bordão. No desenho de longa-metragem “A promessa da rosa” as últimas palavras da protagonista, fechando o filme, são: “Eu disse que protegeria a todos”.
Hoje, cercada pelo amor dos “moonies” do mundo inteiro, Naoko Takeushi supervisiona o novo seriado de animação que está em pleno andamento no Japão, “Sailor Moon Crystal”, atestando que a personagem veio para ficar.


Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 2014.


imagem do google: Naoko Takeushi e as sailors (à frente Sailor Moon; as demais são Sailor Marte, Sailor Júpiter, Sailor Vênus e Sailor Mercúrio)