O francês de papai

Papai não passou do quarto ano primário, mas sempre foi bom nas contas, aritméticas, e do terço. Nos juros, então, um bancário, crente, contudo, no rosário.

Com essas credenciais, e um desvelo de raros pais, levou-me a mim e ao mano menor, Beu, à progressista Divinópolis para comprar forro de pinho para nossa casa na Velha Serrana. O ano não me lembra agora. Era iniciozinho da década dos sessenta.

E fomos acolhidos por um generoso tio de mamãe, o Artur, ferroviário que, nas horas vagas se dedicava à composição musical. O anfitrião, e familiares, na singeleza de sua vida periférica, foram de uma fidalguia singular para conosco naqueles dois dias de visita e negócios.

No domingo, dois dos meninos, que regulavam em idade, com seus visitantes pares, convidaram-nos para ir ao cinema, logo depois do almoço. E quanto alvoroço logo que papai, de pronto, consentiu.

Fomos ao melhor cinema da cidade, a pé, desde o bairro de São José, na sétima arte botando fé. E foi um deslumbramento, o cinema moderno, o filme, Maciste, um show - que nos dava o antegozo de, de volta à Velha Serrana, nos jactar da aventura perante amigos e colegas.

E os comentários sobre as proezas macísticas não pararam, nem no caminho, nem durante o jantar que se seguiu. Até que pintou a idéia do primo Nestor em nos convidar para bisar o evento. E fomos, Beu e eu, trêfegos, levar a proposta a papai, que palitava os dentes. E veio a resposta no seu francês irretorquível:

- Vocês já foram à matinée, agora não precisam ir à soirée.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 29/11/2014
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