Irmão

“Bróder”, lá se vão vinte e dois anos daquele setembro.

Não consigo esquecer a nossa infância – mais a minha do que a sua, afinal você já era um adolescente enquanto eu era um menino. Lembro da bola de meia e do futebol na cozinha; quanta panela no chão e quanta bronca da mãe.

Corrida de carrinho de rolimã no jardim de casa...cada curva, quanta risada, quanta bunda ralada. O short colava na ferida, ardia pra c...nossa! Que tempo bom.

Cavern Club com Big Boy na radio Mundial, ou era na Tamoyo? Não lembro. Rádio FM? Isso ainda não existia. Com o Cavern Club eu conheci um grupo musical que chamavam “The Beatles”. Uns caras lá da Inglaterra, você gostava e eu aprendi a gostar com você, bróder.

Legais eram o Show dos Bairros na rádio Mundial e a música grená em primeiro lugar no show da Tamoyo. Aliás, música era a sua praia: João Bosco, Zé Ramalho, Chico Buarque, Egberto Gismonti, Talking Heads, Creftwerk...Quanta gente você me apresentou! Pena que os LPs sumiram.

E o teatro? Cara, ver Asdrúbal Trouxe o Trombone (Trate-me Leão) com a Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães pelados foi demais.

Você não tinha cara nem alma de engenheiro; você era um artista, talvez fora do seu tempo, sei lá.

Bróder, e o AP da Rua Payssandu? Se aquele apartamento falasse...

A força que você me deu para estudar e o curso de inglês que você bancou estão valendo muito. Graduei-me em Letras. Viu só? Não comecei a frase com o pronome oblíquo.

Os seus sobrinhos já cresceram, casaram e multiplicaram. Você ia adorar seus sobrinhos-netos.

Tá começando uma pelada na TV, foi bom você não ter visto a segunda Copa no Brasil. Foi um aborrecimento só. Bons tempos eram aqueles da geral no Maracanã. Tempos de Jairzinho, Paulo César, Gérson e Cia.

Chega! Continuo falando demais como todo irmão mais novo. Acho que você está com sono. Vou deixar você dormir. Durma com Deus, Aylton.