Igual a uma joia preciosa
Uma dor inexplicável representada por um olhar. A Mãe Guerreira não parava de acarinhar o corpo gélido do filho no caixão. Ao seu lado, o Pai Sábio refletia e chorava simultaneamente, buscando encontrar explicações para o drama inexplicável. As duas princesas – irmãs do Príncipe que jazia estático – se deparavam com interrogações enormes dentro de si mesmas. A comunidade se irmanava à família, com um aperto no coração que se transformava em lágrimas.
Um pouco pálido, mas com um semblante sereno, como de quem sonha um sonho bom enquanto dorme. Ele era o primogênito. Ou seja, as peculiares sensações relacionadas à gravidez foram mais profundas durante sua gestação. Agora, no caixão estava a síntese de milhões de memórias. Os choros, as fraldas, as primeiras palavras, os primeiros passos. A escola, o futebol, o videogame, o violão, a guitarra. O garotinho que se tornava adolescente com uma consciência amadurecida. O seu jeito meigo, seu empenho em ser e fazer o melhor. Seus projetos de ingressar na Aeronáutica... O impacto com a notícia da doença. A quimioterapia. A conquista em ingressar no instituto técnico, mesmo doente. As visitas aos hospitais. As internações. As orações. Os louvores. As profecias. As promessas. O amor. A vontade de viver, acima de tudo.
O vácuo provocado por aquilo que ele viria a ser. O bom profissional. O marido exemplar. O pai carinhoso. O ministro das alvíssaras do Evangelho. Sonhos abortados por uma doença. Inserida neste contexto, uma pergunta sussurrada parece uma facada no coração de todos: “E a fé?”. Sim, onde estava aquela fé demonstrada pelo Pai Sábio, de que o Rei dos Reis já havia curado o seu Príncipe na cruz do calvário? Ao lado dele, toda a família e a comunidade professavam a uma voz que o Príncipe era curado. Até mesmo a esposa do Sacerdote daquela comunidade recebera uma revelação, de que o Supremo do Universo já havia decretado a cura. Será que era tudo engano?
Neste instante, um manto de silêncio cobriu o recinto. Uma ou outra lágrima ousava escorrer pela face dos mais sensíveis. Então, assim como foi com o profeta Elias, o Eterno se fez presente por meio de uma brisa mansa e suave. E, calmamente, o Senhor dos Senhores falou aos corações: “Eu não penso como vocês pensam. Assim como o céu está acima da terra, meu modo de pensar está acima da forma de vocês pensarem”.
Atônita, a congregação ouviu o discurso do Soberano. Com a voz que só pode ser entendida por corações sensíveis, Ele lembrou que os pais fizeram tudo o que a humanidade deles possibilitava fazer pelo filho. As irmãs o apoiaram incondicionalmente. Os avôs, os tios, os primos... toda a família. Os amigos o amaram com todo amor que podiam. A igreja foi, literalmente, igreja.
Em seguida, o Supremo valeu-se de recursos além da linguagem. Na tela dos corações, exibiu fenômenos de ordem espiritual que ocorreram com o Príncipe no leito do hospital. Apesar do corpo sofrido, entre a enfermidade e o tratamento, o espírito se aproximava cada vez mais ao Trono Celestial. De tal modo que o coração do Príncipe ficou com tamanha leveza que não mais conseguia se conectar a esta Terra. Como na letra da sua canção preferida, a sua essência clamava ao Criador: “Perto quero estar, junto aos Teus pés”. E o Altíssimo atendeu seu pedido. “Minha palavra foi que ele era curado. E ele era curado, sim, da pequenez deste mundo pecaminoso”, disse o Onipotente.
O Príncipe foi guardado no Palácio, como uma joia preciosa. Até o Grande Dia, em que todos verão a face do Salvador. Nesta visão, foi mostrado à congregação o Príncipe entrar sorridente em uma cidade dourada, na qual habita todos os salvos, de todas as épocas. Um Reino magnífico, onde até o deserto resplandece em flor.
Porém, o Supremo recordou que havia prometido que todos iriam ver o Príncipe, novamente, louvando o Seu nome na comunidade. “Como foi dito, será feito”, sentenciou. E decretou que a voz do Príncipe estará imiscuída em cada louvor ministrado na congregação, seu dedilhado estará presente em cada instrumental, seu jeito carinhoso ficará impregnado no caráter de cada pessoa que o conheceu. Em cada um, haverá um pouco dele.
Assim, o Príncipe se tornou um arquétipo de Cristo entre esse povo. Isto é, daquele que entrega a própria vida por amor. Há quem não afirme, mas pense todos os dias que, além do barro comum aos humanos, ele foi formado também com partículas cósmicas retiradas das estrelas. Por isso era tão especial. Outros não falam, mas sentem que ele compartilhou tais partículas com todas as pessoas que tocou. Há, ainda, quem suspeite que ele era um anjo. E, quando olham para o semblante da Mãe Guerreira, se perguntam: será que ela lembra que ele tinha asas, mesmo, quando era bebê?
Dedicado a Ady, Cláudia, Giovana e Gaby.
Em memória de Victor Rodrigues. E de todas as crianças vítimas do câncer.