Momentos com meu pai

Mês de junho, férias, época de muitos fogos. Ficava contando os dias para ir com meu pai para a roça por medo dos fogos que soltavam nessa época.
Viajávamos o dia inteiro numa canoa. Era uma aventura. Na hora do almoço ele parava, amarrava a canoa num pau, almoçávamos, ele dormia um pouco, depois seguíamos viagem. Enquanto ele descansava eu ficava ali observando algum pássaro que aparecia e ouvindo o barulhinho que a água fazia roçando na canoa, também de olho na laçada da corda com medo dela soltar e a canoa sair.
Era uma canoa enorme, com um toldo grande onde eu dormia e brincava. Quando chegávamos ao sítio lá na beira do mar era uma festa. Me lembro que todas as vezes que ele chegava, tocava um instrumento onde saia um som parecido com um berrante anunciando a sua chegada. Meu irmão com meus sobrinhos que moravam lá, ouviam o som e vinham para a beira do porto nos receber. Durante o dia era bom demais, ía para a praia, pescava na beira do porto, corria entre os coqueiros. Quando começava a escurecer ia batendo uma tristeza e eu começava a chorar querendo voltar para a cidade. Me lembro que na sala tinha um banco grande de madeira e eu sentava ali, segurava o enfeite do vestido, ficava dobrando nos dedos e desatava no choro. Ele falava que eu tinha de esperar o dia dele voltar, pois tinha dia certo para voltar com os cocos que ele tinha ido buscar. Eu me acalmava e ia dormir. Mas logo que amanhecia a tristeza passava e tudo voltava ao normal. O problema era só a noite. Acho que era a falta de energia elétrica. Eu olhava pela janela via aquela escuridão e ai me batia um desespero.
A noite só pensava em voltar pra casa. E logo chegava o dia de voltar. Outra aventura, o dia todo brincando dentro daquela canoa. Por causa do meu choro querendo voltar pra casa pensava que ele não ia querer mais me levar pra roça. Engano, eu chorava querendo ir de novo. E ele me levava. Descobri que o que eu gostava mesmo era de ficar pra lá e pra cá viajando de canoa. Acho que não nasci para ficar parada num lugar só. Por isso a minha vida hoje é na estrada rodando pelo Goiás, Minas, São Paulo, Mato Grosso.
Numa dessas viagens com meu pai, chegamos num determinado local com a maré baixa, a canoa encalhou na areia. Tivemos que descer e nós dois começamos a balançar ela até soltar. É claro que ele balançava mais. Ainda me lembro dele falando pra mim: _ Segure firme na beira da canoa, quando a areia sumir dos seus pés suba logo pra dentro. E assim eu fazia. Sendo ainda uma criança achava aquilo tudo muito divertido.
Me lembro das melancias enormes e vermelhinhas que ele partia depois do almoço. Eu jogava as sementes na água e via os peixes se aproximarem para comer.
Quando anoitecia eu ficava debaixo do toldo e dormia ao som da água roçando na canoa e o barulho do remo batendo na água.
Meu pai era muito calado, falava pouco, só quando eu perguntava algo.
Me lembro do cuidado que teve comigo quando passei mal no hospital quando esteve internado, pediu que eu fosse pra casa e outra filha fosse ficar com ele, falava que eu não ia aguentar ficar ali perdendo noites.
Quando a minha irmã adoecia, às vezes ficava alheia a tudo. Ele chegava perto e a chamava de “ betuca” demonstrando o seu carinho por ela.
Aprendi com você a colocar pedacinhos de requeijão dentro do café. Era gostoso tomar o café com o requeijão derretido. Ainda faço isso até hoje.
Não falava “ eu te amo” mas demonstrava com atitudes que nos amava.
Também não falei “ eu te amo” mas não te trocaria por nenhum outro.
Hoje você se encontra do outro lado da vida e deve estar se lembrando de mais coisas que eu não consegui lembrar do tempo em que viajávamos juntos.
Obrigada pai, por não ter se aborrecido comigo quando eu chorava pedindo pra voltar pra casa.
Acreditando na sua existência, hoje te parabenizo pelo seu dia.
Que a paz do Mestre Jesus permaneça sempre contigo onde quer que estejas.


 
Élia Couto Macêdo
Enviado por Élia Couto Macêdo em 09/08/2014
Reeditado em 23/03/2015
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