Para o Dudu Pererê

Olha o momento!

Olha o momento, disse o poeta.

Era o Dudu Pererê.

Eu tentava acompanhar, capturar um momento,

Mas todos eles passavam inexoravelmente:

Olha o momento! Passou.

O próximo eu pego:

Olha o momento!

Uma onda se encrespava no mar em frente ameaçando estourar,

As pessoas invadiam o quiosque perseguindo os momentos fugidios que o poeta se esforçava por mostrar passando fugazmente;

Transeuntes olhavam atônitos os estranhos momentos que viam passar,

E as estrelas permaneciam girando pela abóbada celeste.

E se foi também. Mais um momento que passou.

* * *

Depois passaram os anos, muitos anos,

E o momento derradeiro estava prestes a chegar.

Olha o momento, pensou.

Mangueiras plásticas penetravam-lhe nariz e boca,

Enfermeiras circulavam mascaradas ao redor,

Aparelhos eletrônicos de luzes esverdeadas produziam sons agudos e ritmados.

Não era um dos melhores momentos, definitivamente,

Mas era um dos últimos,

E tão extraordinário quanto todos os outros,

Tão surpreendente quanto todos eles,

Tão rico, tão imprevisível, tão formidável e único quanto tinham sido todos os momentos de sua vida,

Todos os momentos que haviam passado, e que nunca voltariam.

Pressentia a chegada do derradeiro;

Tinha um forte amargor o seu último momento, mas não haveria outra chance, tinha que ser aquele,

Tinha que pegá-lo,

Congelá-lo,

Eternizá-lo,

Segurá-lo para sempre.

Concentrou-se profundamente,

Observou a enfermeira ao seu lado,

O formigamento no corpo,

O frio subtraindo seus braços,

O movimento ao redor,

O silvo agudo, intenso e contínuo do aparelho eletrônico.

Estava capturando o momento,

Abarcando, sugando, usufruindo o amargo momento por inteiro.

Então relembrou a voz do poeta no passado, agora, distante:

Olha o momento!

Mas esse também passou.