Gabo, um náufrago que sobreviveu
GABO, UM NÁUFRAGO QUE SOBREVIVEU
(texto rápido publicado no jornal "Diário Catarinense" de 18.04.14)
Conheci Gabriel García Márquez - sua obra, não o autor - em Buenos Aires, por meados dos anos 1970. Vivíamos então no Brasil a descoberta da vasta e maravilhosa literatura latino-americana. Dessa safra, para mim, pessoalmente, marcaram-me nomes como Mario Vargas Llosa, Julio Cortázar, Roberto Arlt e o próprio Gabo. Dele, comprei em uma livraria da Calle Florida seu emblemático Cien Años de Soledad, que trago no coração até hoje, livro que qualquer escritor decente gostaria de ter escrito.
Um dia, porém, depois de várias outras obras dele, li seu Relato de um Náufrago, de 1955 em sua versão publicada originalmente na imprensa colombiana. Tomei um susto. Corri para minha estante, tomei A Balsa do Desespero, de Enzio Tiira, de 1954, se bem me recordo, e o reli de um só fôlego: pareceu-me então que tudo o que vinha contado no Relato estava embutido na Balsa. Bem verdade que relatos de náufragos num mar infestado de tubarões devem transmitir experiências muito semelhantes.
De qualquer forma, aí que pude avaliar melhor o tamanho do talento de García Márquez e sua lição sobre como escrever um texto excelente e saboroso a partir de outras obras (se este fosse o caso). Cortázar fez exatamente isso com uma bula de remédio para cefaleia e um tratado acadêmico sobre as enguias.
Como todo latino-americano, Gabo nasceu náufrago, quase afogado; como gênio da literatura, sobrevive para sempre em sua magnífica obra.
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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 26 de agosto de 2013 integra o Conselho Estadual de Cultura, na vaga destinada à Academia Catarinense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 32.
(...) aquele 1965 em que éramos jovens, românticos e puros. Incontaminadamente puros. (...) Havia uma visão do coletivo, que hoje se perdeu, como também se extraviou (ou até soa ridícula) aquele ideia de "salvar a pátria", de interessar-se pelos problemas do País e do mundo porque eles habitavam nossa consciência.
Flávio Tavares, Memórias do Esquecimento