BONS MOÇOS
Tenho me dedicado ao tempo da construção. Observado atentamente esse tempo de asas longas, cujas barbas brancas sussurram segredos nas horas. Ergo pacientemente um teto e nele algo infinitamente mais valioso que pedras e mámores. Vidas! Sim, são vidas removidas em sucessivos instantes de doação, amor, companhia, momentos compartilhados, passos amparados. São vidas em construção. Não há nessa obra um só instante negligenciado ou pago em moedas. O tilintar das moedas não agasalham invernos de almas, nem acalentam nas noites escuras, nem amparam nas incertezas. Moedas são moedas, que fingem pagar pelo tempo que recusamos doar. Quantas vezes em nossa estrada elegemos um bem e abandonamos outros? E quantas vezes nos despimos de pessoas? Pessoas que passam a um segundo plano na engenharia da nossa caminhada. Sobras! Sim, em novos projetos se tornam sobras e assim as trataremos. Há quem não se desfaça de sobras, mas as destinam a galpões ou baus. Há quem ostente um quadro na sua sala de visitas e brinde a "sua" obra. Fim da festa, lá se vão as sobras de volta ao galpão. Bons moços tomam a comunhão, bons moços pedem a benção. Bons moços ficam rodeados, falam manso, agradam, fazem teatro. Bons moços e seus telhados. Onde deixaram os mil cupins? Que cupins? Bons moços maqueiam passados, maqueiam tão bem que vendem a fantasia. Ave maria! Recitam de cor, joelhos dobrados, olhos fechados, cabeça tombada... quem quiser compre a fachada. E no fim, debruçados sobre o bau da vida, eles os abrem a procura dos mais belos retalhos. Perplexos arregalam os olhos, batem no peito, chamam "meu Deus", se curvam, tonteiam. Seus baús estão vazios... onde estão aquelas sobras? Ah! As sobras empoeiradas... se foram, levadas pelo tempo de asas longas e barbas brancas.