OBS: Não faria essa homenagem se não tivesse ouvido Zé Augusto contar sua estória naquela manhã poucos minutos antes do trabalho.

Zé mal tinha comprado o último LP da Rita Lee quando do nada apareceu uma amiga lhe convidando pro show 'Lança Perfume' no Ginásio do Ibirapuera. Nem pensou. Foi no embalo de sexta à noite. Após o show, a amiga revelou que tinha passe livre para transitar pelos bastidores e lá foram os dois.

Que surpresa quando no camarim Zé deparou com a sua musa: Elis Regina! Conversou com a Pimentinha e babando que nem bobo, contou que viu 'Falso Brilhante', nada mais, nada menos do que três noites seguidas no Teatro Bandeirantes. Também revelou orgulhosamente que só faltavam três LPs pra completar sua coleção. Só não contou que a mãe quase o matou por causa dos luxos e manias à la Elis Regina. Pediu autógrafo, mas não tinha onde a diva registrar sua dedicatória. Curiosamente a Elis tirou o embrulho das mãos do Zé, abriu, olhou e disse: "A Maria Rita não vai ligar se eu assinar o LP dela. Depois, você pede o autógrafo dela, tá!" A Elis deixou uma dedicatória e tascou um beijo vermelho na bochecha do Zé.

Acho que aquele borrão estampado na face do Zé numa noite de 1980 continua lá até hoje. 


AMIGAS DESDE SEMPRE

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Bastam o cabelo ruivo e a cara pintada de sardas para saber que ela é levada da breca. Jovem rebelde com suas causas a defender, muita coisa por decifrar mas sem muito querer pensar. Larga os Mutantes e seu então marido, Arnaldo Baptista, assumindo o seu caso com um tal de Roque Enrow, que no último meio século é seu parceiro mais do que constante que nunca a traiu, nem mesmo uma só vezinha, nem mesmo com o pai dos seus três filhos, Roberto de Carvalho, que ela carinhosamente chama de 'meu namorado'.
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Voltamos no tempo ... Estamos em agosto de 1976 e as coisas complicam para Rita Lee que é flagrada com um pouco da erva nada docê na sua residência. É presa no ato, levada ao DEIC e depois à cadeia do Hipódromo em São Paulo.

Tudo seria considerado absolutamente 'normal' já que todo mundo sabe, ou acha que é verdade, que onde há rock ´n roll também rola muita droga e sexo. Mas a Rita está grávida, num estado de graça, e a Imprensa logo cai em cima que nem urubu e o caso rende inúmeras manchetes nos jornais e revistas de todo país durante as duas semanas que seguem.

 

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Elis fica sabendo da prisão da Rita e também da sua gravidez que está bem no começo. Mesmo não sendo da mesma praia musical que a ex-Mutante, Elis não pensa duas vezes e vai até a cadeia levar o seu apoio e carinho. Ela já é mãe de dois meninos e sabe muito bem como a gravidez deixa a mulher vulnerável. Não está nem aí no que a Imprensa pode publicar, nem liga se a visita manchará sua imagem ou as críticas que vai ter que ouvir. Dois mundos diferentes que vão se unir simplesmente por que Elis é bossa e muito camarada. Nunca nega seu ombro ou sua amizade numa hora negra, nem mesmo à essa ovelha que está para ser sacrificada. 
 

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Quantas vezes seus olhares se cruzaram pelos corredores da Record e da Globo, mas nunca se flecharam como aqueles em 'Tiro Ao Álvaro' onde Adoniran Barbosa e Elis fazem um dueto delicioso com gostinho de Bixiga no domingo.
 

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As duas nunca ousaram a trocar uma palavra se quer. Apenas aquele mar imenso de silêncio entre elas. A indiferença prevaleceu e nenhuma puxou assunto ou conversinha fiada de backstage, nem mesmo durante os festivais.   

A Polícia Federal adora uma barra pesada, a Elis então se garante levando seu filho, João Marcelo, a tiracolo. Insiste em ver se a colega de profissão está bem. Quem atreve contrariar a Pimentinha? Quem não conhece a fúria dessa baixinha! O ciúme infernal da gaúcha de Porto Alegre é conhecidíssimo. Ronaldo Bôscoli conhecia muito bem a sua Elis, e sabia muito bem como essa gaúcha rodava a baiana melhor que ninguém. 


Segundo Bôscoli, em 'Furacão Elis' (1985) de Regina Echeverria: 

"Entrei no casamento com cinco malas e saí com três. Uma ela queimou e a outra, cheia de discos do Frank Sinatra, ela jogou pela janela. Feito disco voador. Aconteceu depois de uma briga: ela foi para a sacada, de onde, com certa habilidade para arremessar, você acertava o mar. Foi uma chuva de Sinatra pela Niemeyer. Ela tinha um ciúme doentio do Sinatra, porque eu me identificava com ele".

É, a gaúcha apimentada não é de brincadeira. É mesmo levada da breca, brigona e doida e, diga-me, tem alguém que canta 'Me Deixas Louca' melhor do que a Elis? NÃO! Tá pra nascer! 
 

A detida é conduzida até uma sala onde a estrela da MPB se encontra. Elis vai logo fazendo o seu próprio interrogatório para saber se tudo está bem. Rita fala da gravidez e faz um certo dramalhão debochado dizendo que sente que vai abortar a qualquer momento. Elis quer saber se recebeu cuidados médicos. Rita responde que não. Elis bota a boca no trombone e exige a presença de um médico. Com a fama que tem de barraqueira, o pessoal do Deic vai logo providenciando um médico. O desejo da Elis é uma ordem e logo vemos alguns progressos na situação infeliz da roqueira.

Rita não nega ter experimentado drogas e deixa bem claro que ao saber da sua gravidez deixou de usá-las. O episódio é considerado truculento já que a Rita também declara que a droga encontrada em sua casa não lhe pertence. É apenas 'um restinho' deixado por amigos e frequentadores da casa. Nada disso importa  porque a Polícia Federal quer mesmo é mostrar aos jovens, hippies, roqueiros e usuários da erva maldita que a coisa tá realmente preta para o lado deles. Melhor andar na linha se não a polícia passa por cima que nem rolo compressor.

Em 21 de março de 1977, sete meses mais tarde após ser presa, Rita dá luz ao seu primogênito, Beto Lee.

 

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Nos quinze dias em que ficou presa, Rita Lee recebeu nenhuma visita de amigos. Nunhumazinha. Em compensação, ela ganhou uma grande amiga, aliada e comparsa: Elis Regina.

Como o mundo dá suas voltas e conspira divinamente escrevendo cada estória bacana. Assim do nada, a Elis e Rita tornaram-se, como a Rita mesmo diz: Amigas Desde A Infância.

'Doce De Pimenta' (1979) é registrado em vídeo pela Rede Bandeirantes para o especial de Elis. Foi Vinicius de Moraes quem batizou a Elis de Pimentinha, mas a Rita a considerava docinha, daí o título da canção que é composição sua com o marido Roberto De Carvalho. As duas amigas surpreendem o público cantando e dançando juntinhas uma coreográfia só delas. Os críticos comentam, mas unanimamente, o momento top da canção é a tricotagem deliciosa que as duas comadres improvisam debochadamente já no finalzinho.  

 

Doce De Pimenta

Cada um vive como pode
E eu não nasci pra sofrer
Cara feia pra mim é fome
E eu não faço manha pra comer
A vida é como uma escola
E a morte é o vestibular
No inferno eu entro sem cola
Mas o céu eu vou ter que descolar
Mas quando alguém precisa de um carinho meu
Não há nada que me prenda
Mas se eu sentir que um bicho me mordeu
Sou mais ardida que pimenta!
No fundo eu sou otimista
Mas eu sempre penso o pior
Me cansa essa vida de artista
Mas cada vez o prazer é maior



Tão grande é a amizade entre essas duas mulheres ícones da nossa MPB que em setembro de 1977, pouco mais de um ano após o incidente da prisão, nasce a filha de Elis que recebe o nome de Maria Rita.

Era assim que Elis fazia questão em chamar sua grande amiga: Maria Rita.
Por alguma razão, que só mesmo as duas conhecem, Maria Rita carinhosamente virou o nome que a Elis batizou a Mãe do Rock Brasileiro. 

Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 11/01/2014
Reeditado em 08/04/2022
Código do texto: T4645514
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