Vicente.

Vicente.

Certa vez conheci um homem chamado Vicente; 86 anos, solteiro, sem filhos, Ex-combatente, e pensionista da Petrobrás. Ele era assim: Um brasileiro, com uma sorte, em não ter sorte.

Vicente vivia num abrigo para idosos, foi lá que o conheci.

Naquele lugar existem muitas histórias; gente esquecida, que ainda recebem visitas das famílias, outras, nem isso.

Dentre as muitas histórias que ali ouvi, a de Vicente me chamou a atenção. Vicente era um homem traído por muitos, mas aproveitado por quase todos.

Ele recebia uma boa pensão do Exército, por ter sido Ex-combatente, e uma pensão da Petrobrás, pois ela explorava um poço de petróleo em suas terras.

Ele tinha direito a todo esse dinheiro, mas na verdade, Vicente recebia R$ 100, 00 por semana, dinheiro que um sobrinho ia deixar no abrigo.

Mas você pode estar se perguntando: como assim? E o resto dinheiro a que ele tinha direito?

É o que vou contar agora...

O pai de Vicente era um grande fazendeiro, possuía grandes lotes de terras, e ao morrer, deixou uma grande confusão entre os filhos (eram 4 junto com Vicente). Cada um queria a melhor parte das terras.

Os irmãos eram mais espertos do que Vicente, se reuniram antes, sem a presença dele, e cada um pegou uma parte produtiva das terras, e deixaram o pior lote para Vicente. Sabe o que aconteceu? De uma hora para outra, a Petrobrás procurava novos campos para explorar petróleo, e advinha aonde encontraram? Lá mesmo, no pedaço improdutivo de terra que restou para Vicente.

Irmãos em desespero...

-O que vamos fazer, para tomar a terra que demos a Vicente? Pergunta um deles.

-É simples, vamos interna-lo! Dizemos que ele enlouqueceu, que não pode mais tomar conta das suas posses. Respondeu outro.

E como todos concordaram lá se foi Vicente... Parou num hospital psiquiátrico. Após muitas injeções e tratamentos contra uma "loucura inventada", Vicente realmente já não era mais o mesmo. A partir daí ficou fácil domina-lo, e logo um dos irmãos assumiu a responsabilidade sobre as posses de Vicente. Depois de tudo documentado, "papéis passados" em cartório. Vicente já não era mais dono de nada. Ele já não tinha mais identidade, nada podia decidir por ele mesmo, então resolveram levá-lo para um abrigo.

Após chegar ao abrigo, sua única companhia externa, era uma Sra. chamada Tereza, ela se dizia namorada de Vicente. Uma vez por mês ia buscá-lo no abrigo, para passar o final de semana com ela. Sabe por que uma vez por mês? Porque, como Vicente recebia R$ 100, 00 por semana, no caso, ele estaria com R$ 400, 00 no final do mês. Por isso ela o levava.

Mas Tereza queria mais, queria casar com Vicente, e ficar com tudo o que ele tinha direito. Vicente queria casar, tinha medo que após o casamento Tereza não fosse mais buscá-lo para passar os finais de semana, sabia o risco que corria. O problema para Tereza, é que Vicente não decidia mais nada, o seu irmão era quem tinha o poder de permitir, ou não, esse casamento, pois ele era procurador de Vicente. E claro que não permitiria, porque perderia tudo o que havia tomado posse.

Em meio a esses muitos desgostos, e com uma sorte, em não ter sorte, Vicente não teve mais tempo para nada. Morreu, e foi esquecido por completo. Aquele que foi esquecido como pessoa que era, porém, lembrado pelo dinheiro que tinha direito.

*Texto escrito em memoria do meu amigo, Vicente. Que no céu ela seja mais feliz do que aqui na terra.

Tlbarbosa, 26/11/13.

tlbarbosa
Enviado por tlbarbosa em 26/11/2013
Reeditado em 23/04/2016
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