Aniversário do Meu Irmão

19 de novembro de 1963
Você deve está pensando: ... o que significa essa data tão distante?
Pois é, eu tinha exatamente dois anos de idade quando nascia o meu irmão.
Algumas pessoas não acreditam que eu possa me lembrar, mas não importa, o que importa é que ela ficou registrada lá no cantinho da minha memória e cinquenta anos depois estou aqui colocando no papel.
Deus foi maravilhoso comigo por ter me dado essa oportunidade de compartilhar esse momento.
Ainda me lembro como se fosse hoje, numa casinha simples da roça na beira do mar a minha mãe dava à luz ao seu décimo filho. Na sala havia um banco enorme de madeira que a minha mãe trazia sempre limpinho, um senhor sentado,talvez tivesse vindo fazer uma visita, não sei. Só mais tarde ela me contou quem ele era.
Com essa idade eu não sabia expressar com palavras a alegria da sua chegada. Mas com gestos eu pude demonstrar o meu contentamento. Era como se um presente fosse chegado pra mim. Então eu fui ao quarto onde minha mãe estava, subi na cama passei por cima dela depois por cima do bebê e deitei ao lado dele e fiquei ali bem quietinha, ao mesmo tempo como querendo falar: _ Que bom que você veio! Por que demorou tanto tempo?
E era como se ele respondesse: _ Era necessário que eu viesse mais tarde um pouco. Tudo tem seu tempo certo. Tempo de ir e tempo de vir.
Se me perguntassem o que aconteceu comigo quando eu tinha oito ou dez anos não saberia contar. Mas o nascimento do meu irmão ficou gravado na minha memória.
Bem, nesse dia a minha mãe, é claro, escolheu o nome dele. E se eu novamente pudesse falar diria pra ela assim: _ Tira esse "H" dai da frente, deixa igual ao meu, a senhora não vê que quando falamos ele não tem importância nenhuma? Tá bom, deixa pra lá, ele só vai aparecer na escrita mesmo.
O tempo foi passando e com ele fomos crescendo, e entre as nossas brigas e brincadeiras de vez em quando o cipó de goiabeira se fazia presente mostrando pra nós como a primeira vara da infância funcionava, nos educando da forma que minha mãe sabia. Se bem que hoje agradecemos a ela por isso.Entre uma cipoada e outra sobrevivemos. Sem contar o velho cinturão que ficava atrás da porta, que vez ou outra também experimentávamos.
Viemos para a cidade e fomos vivendo outros momentos.
Me lembro que um dia ele foi pra escola e eu fiquei no portão olhando ele até virar a esquina, todo arrumadinho com seu uniforme limpinho, meia até o joelho e sua sacolinha plástica , é aquela mesma, de sandálias havaianas. Não tínhamos mochila do ben dez, nem do patati patatá. Quando ele retornava da escola dividia comigo suas experiências, repartia seu lanche com um colega de classe, mas ele sempre queria mais uma parte do que sobrava, e meu irmão dava. O desapego do meu irmão veio de berço, aliás de vidas passadas. No que eu admiro muito isso nele.
Aprendi muitas coisas com meu irmão.
Sinto saudades do tempo que éramos crianças.
Saudades de quando a gente comprava amendoim torrado e sentávamos no chão da varanda para comer. Escondíamos um pouco pra comer depois e acabávamos esquecendo, e quando achava estavam podres. Ficávamos com raiva, mas, ao mesmo tempo dávamos boas risadas.
Saudades do tempo em que ele ficava encantado com as luzes coloridas que enfeitavam a praça da capelinha na época das festas.
Saudades das nossas brincadeiras da Rua do Cajueiro. Saudade da turma que jogava baleado, brincava de gude, me lembro de uma onde pegávamos uma castanha de caju apoiava em cima do joelho e usávamos o dedo como se fosse um estilingue pra que pudéssemos jogar o mais longe possível. E ele, é claro sempre jogava mais longe.
A gente não se importava nem um pouquinho se quando chegasse em casa tivesse o cipó de goiabeira pra continuar a brincadeira. No outro dia ninguém nem lembrava desse cipó. E as brincadeiras continuavam.Tinha cipó e cinturão sim, mas era muito mais divertido naquele tempo.
Saudades do tempo em que eu vestia uma calça folgada. Acho que era uma de meu pai, e íamos pra cima do muro dançar tango, ( não vale rir) imagina de onde tirávamos essa idéia? Sei lá! O muro da casa da minha mãe era largo , dava até pra tirar uma soneca em cima dele. Minha mãe sempre teve essa mania de tudo resistente. Mas o certo é que nós dançávamos o tango.
Ríamos muito com essas brincadeiras.
Na rua as pessoas perguntavam se éramos gêmeos, eu falava : _ Não, sou dois anos mais velha que ele. Saíamos sempre abraçados, me lembro que uma namorada dele não me conhecia e me viu na rua abraçada com ele. E aí já viu né? O pau quebrou. E o safado do meu irmão deixou ela pensando que eu era sua namorada . Só depois ele contou que eu era sua irmã. Nossa como ríamos com isso.
Me lembro uma vez que minha mãe quase pira, quando passou no seu quarto e viu que sua cama não foi mexida, estava arrumadinha do mesmo jeito que ela deixou a noite, descobriu que ele não tinha dormido em casa. Logo mais ele chegou contando que ficou olhando com os colegas a noite inteira um carro que tinha batido numa casa. Olha só o programa!
Minha mãe pedia pra ele comprar o leite e no caminho ele parava pra jogar gude com os colegas. E o leito já sabe o que aconteceu né?
Quando terminou o colégio foi pra Emarc , pensei .... Só vou ver meu irmão nos finais de semana, ficava contando os dias pra ele chegar.
O tempo foi passando e ele foi pra mais longe. Resolveu ir pra marinha.
Não sei por que essa vontade de ir pra marinha, será que foi por que ele nasceu na beira do mar? Ou será que foi por que nasceu no dia da Bandeira? Mas eu acho que ele veio com essa missão, de contribuir um pouco com a história do país. E assim fomos ficando distante, mas logo surgiu a internet e através da telinha conversamos e matamos a saudade
E agora quando meu irmão vem de férias eu parto pro Goiás. Nos vemos aos pulos.
Seus cinquenta anos chegou, e com eles a aposentadoria também, mas antes ele resolveu aprender a surfar junto com seus filhos, pra ele aposentadoria é só uma mudança de atividade. E com certeza vai ensinar para os netos.
Acho que o meu irmão tem um certo romance com o mar.
Sei que existe um laço com todos os meus irmãos, mas com certeza com esse a laçada é mais apertada. Temos muitas coisas em comum, e uma delas é o desejo de entender melhor o ser humano.
19 de Novembro, aniversário do meu irmão.
Mas com certeza quem ganhou o presente foi eu.

Feliz Aniversário!

Que Jesus te conduza sempre, seja na terra , seja cortando as ondas do mar em cima de uma prancha.

 
Élia Couto Macêdo
Enviado por Élia Couto Macêdo em 19/11/2013
Reeditado em 08/10/2016
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