Seu Libório
Eu estava quieto no meu canto quando me lembrei do Seu Libório. Esse nome me fez recordar de um senhor que frequentava o Bar do Sr. Coelho, onde eu trabalhava em 1945. Tem também um samba de Moreira da Silva, cujos autores são Alberto Ribeiro e João de Barro, que era assim:
Seu Libório
Seu Libório tem três vizinhas
Manon, Margot e Fru-fru
Saem todas as tardinhas
Carregando o seu Lulu
Ninguém sabe o que elas fazem
Porém todo mundo diz
Que Seu Líbório é quem manda
Ah!,Como o Libório é feliz
A Manon é mais lourinha
Que boneca de Paris
A Margot é queimadinha
Pelo sol do meu país
A Fru-fru tem um sinalzinho
Na pontinha do nariz
O Seu Libório é quem manda
Ai, Como o Libório é feliz
Seu Libório tem três vizinhas
Manon, Margot e Fru-fru
Saem todas as tardinhas
Carregando o seu Lulu
Ninguém sabe o que elas fazem
Porém todo mundo diz
Que Seu Líbório é quem manda
Ai, Como o Libório é feliz
Usam todas um V-8
Que lhes deu um coronel
Têm vestidos de altos preços
E perfumes a granel
Vivem assim felizes contentes
Com o que o destino lhes deu
O Seu íbório é quem manda
Ai, o Seu Libório sou eu
Porém, o Seu Libório que eu conheci era um senhor de uns 50 anos, na época, era um funcionário do Departamento do Trabalho, em Campinas. Eu me lembro dos seus modos. Era sóbrio, muito educado e vestia-se cada dia com um terno. Camisas sempre brancas e gravatas acompanhando o terno. Ele era mulato e sempre usava um chapéu que combinava com sua roupa. Respeitava a todos e era, também, por todos muito respeitado. Sua bebida era sempre um café.
Num sábado à tarde, em que o movimento do bar era fraco, ele me chamou à sua mesa e me disse:
“- Vejo nos seus olhos que você gostaria de conhecer um pouco da minha vida.
Eu sou baiano nascido e criado em uma fazenda onde meu pai era carroceiro e minha mãe fazia doces para festas. Eu tinha 7 irmãos, 3 irmãs mais velhas do que eu. Dos homens eu sou o mais velho. O meu pai um dia veio para a cidade de São Paulo. Arrumou uma casa no Bairro do Belenzinho que não era muito boa, mas que perto de nossa casa na Bahia era um palacete.
O meu pai pegou o primeiro serviço que apareceu que era de auxiliar de um carroção de lixo da prefeitura. Saía de casa para o serviço às 5:30 da manhã para ir até o local onde os carroções de lixo ficavam. Os carroções eram sempre puxados por quatro burros. Iam o condutor do carroção e mais dois auxiliares, um de cada lado, para apanhar as latas de lixo, nas ruas.
Mas o meu pai era um sonhador. Ele tinha orgulho do seu serviço. Quando ele pegava o seu violão e cantava muitas músicas eu percebia que ele gostaria de ter sido alguém na vida. Aposentou-se cuidando dos parques da prefeitura.
Eu só fiz o primário, como todos os meus irmãos, mas os meus filhos serão alguma coisa que eu não consegui. Hoje eu sou escriturário do Departamento do Trabalho. Eu consegui estudar um pouco, depois que viemos para Campinas. Estudei à noite e já estou quase me aposentando.
Dos meus irmãos, 3 estão aqui em Campinas. Das minhas irmãs casadas, uma mora no Recife e outra no Rio de Janeiro. A mais velha é casada com um sargento do exército que esteve na Itália combatendo durante a Segunda Grande Guerra. O meu irmão mais novo está em Vitória onde é funileiro.
Quando perguntam de meu pai eu digo às pessoas que ele se aposentou e veio a falecer em são Paulo, e que teve um cargo elevado no departamento de Higiene.”
Como o Seu Libório conversava muito com o senhor Coelho, o meu patrão, e o Senhor Coelho o considerava muito, ele falava muito do pai do Seu Libório, que tinha sido, também, muito querido na Bahia.
Então, eu inventei uma história do Senhor Wenceslau, o pai do Seu Libório. Ele havia sido registrado com o nome do fazendeiro, seu patrão, que era um português de nome Antônio Wenceslau Correia Viana. Só não registrou o Antônio no seu nome.
O Senhor Correia Viana era um patrão muito bom, amigo dos seus empregados, nunca os chamava de escravos. Sempre que possível mandava buscar em Salvador o Dr. Manoel Augusto Pereira Saraiva, médico que entendia de todos os males, para examinar os seus filhos e também os seus empregados. E aos Domingos e feriados religiosos vinha um padre para que na capela da fazenda rezassem missas. Naquela época os padres eram sempre europeus, e o vigário que atendia a fazenda era italiano, Adolfo Gambassi. Inclusive fazia batizados e casamentos dos filhos dos fazendeiros.
Um dia o senhor Correia Viana chamou todos os seus empregados e disse: “– Recebi um telegrama do Coronel Fernando Cardoso de Albuquerque em que ele relata que a Princesa Izabel assinou a Lei Áurea que aboliu a escravidão. Então todos vocês estão livres e podem ir trabalhar onde quiserem, levando todos os seus filhos e pertences..”.
Então, o meu pai, que sabia da opinião de todos, disse ao patrão: “– Se o senhor permitir eu quero continuar aqui e sei de outros que também querem ficar por que se sairmos daqui teremos de trabalhar em outras fazendas e acredito que para aqueles que olharem como foram tratados pelo senhor, sempre com respeito e humanidade, essa seria uma aventura medonha..”.
Então, o senhor Correia agradeceu a todos e disse: “Eu não esperaria outra coisa de vocês. Visto que temos uma safra muito boa para colher e que sem braços tudo se perderia, vocês serão sempre bem vindos a continuar comigo..”.
E assim o pai do Seu Libório continuou na Fazenda que se chamava Boa Sorte, até o dia em que veio para São Paulo morar no Belénzinho.
Conversei com o seu Libório e contei a ele o que tinha falado ao meu patrão, da história que havia criado sobre seu pai, e disse a ele; “ não vá me desmentir”.
Depois de alguns dias o seu Libório me disse das proezas do seu pai, que eu tinha inventado, e falou: “Você é mais criativo do que eu. De hoje em diante essa vai ser a história do meu pai. E garanto a você que ele ficaria feliz se tudo tivesse acontecido assim..”.