Minha Querida Vó Tunica
Durante boa parte de minha infância, um dos lugares que eu mais gostava de frequentar era a casa de meu avô e avó paternos, Zeca e D. Antônia, ou simplesmente vô Zeca e vó Tunica.
A casa era humilde, mas sempre estava cheia, já que boa parte de meus tios e tias ainda moravam junto com eles, e havia também os primos. Assim o ambiente da casa era sempre muito movimentado e alegre.
Meu pai sempre me levava para visitá-la, principalmente aos domingos, dia de macarronada. E que macarronada! Como o número de pessoas na casa era sempre grande, vó Tunica preparava uma grande panela de um delicioso macarrão, que era rapidamente devorado por todos.
Além da macarronada, havia muitos outros pratos e quitutes que minha avó fazia, que dá água na boca só de lembrar. Eu adorava as sopas e a canja de galinha, que era inigualável. O pão era assado em um rústico forno de barro e a massa era leve e saborosa. Havia também os bolos e os biscoitos de pinga, nata e mantecal (banha de porco).
Meus tios sempre foram brincalhões assim como meu avô,e eu me divertia muito com eles. Minha avó acolhia a todos com muito amor e carinho, e quando não estava na cozinha e cuidando da casa, sentava-se na varanda e passava o tempo conversando e fumando seu cachimbo. Meu avô gostava de tocar sanfona, e fazia reparos no instrumento para outras pessoas.
Ao chegar naquela casa, eu ia até meu avô, avó e cada um dos meus tios e tias para pedir a benção, o que até dava certo trabalho, devido ao grande número, principalmente aos domingos quando sempre havia visitas de outros tios e tias que já moravam com suas famílias. Mas nunca deixava de cumprir aquele ritual sagrado.
Com o passar do tempo fui crescendo, e já não era mais tão dependente de meu pai para ir aos lugares e me divertir. Ou seja, surgiram outros interesses, amigos, futebol, filmes etc.. O fato é que aos poucos fui me afastando da casa de minha avó, lugar que me era tão agradável.
Até que quando cheguei na adolescência, comecei a trabalhar, e também houve outros fatores que fizeram com que eu me afastasse totalmente de lá. Na verdade, não havia realmente uma razão para que eu tivesse esta atitude, mas creio que as mudanças e novas experiências da adolescência tenham sido o principal motivo.
Passaram-se anos até que eu começasse a tomar consciência de minha estupidez e falta de consideração com meus avós, pessoas boas e que gostavam de mim, e de quem eu também gostava. Durante este período de afastamento meu avô faleceu, e fiquei muito triste e constrangido por ter que retornar àquela casa para um velório. Não haveria mais possibilidade de conversar, ouvir as histórias ou o som de sua sanfona, e aquela casa já não seria tão alegre como antes.
Pouco depois, comecei a trabalhar nos Correios como carteiro, e por uma ironia do destino, o distrito em que eu fazia as entregas era onde minha vó morava. Novamente me senti constrangido, pois era obrigado a passar diariamente em frente àquela casa, e sempre torcia pra que ninguém me visse e passava o mais rápido possível.
Decidi que era hora de voltar ao convívio daquela casa. Minha avó agora iria precisar do carinho e atenção de todos para amenizar a dor de sua perda, e eu estava disposto a dar minha contribuição. Porém não foi fácil para mim simplesmente voltar lá, já que haviam se passado anos sem que ao menos eu tivesse perguntado “como vai?”, e eu temia ser mal recebido, ou no mínimo levar uma boa bronca, o que seria compreensível, por eu ter sido um neto desnaturado. Este receio fez com que eu adiasse ainda um pouco mais minha volta. Então minha avó começou a ter problemas de saúde, e percebi que não dava pra ficar adiando a vida toda. Não queria que acontecesse o mesmo que aconteceu com o meu avô, então engoli o orgulho e fui fazer a tão adiada visita.
Quando cheguei, ela estava na varanda descansando, como era seu costume. Eu estava muito envergonhado e preparado para ouvir aquela bronca ou um bom sermão. Devido ao longo tempo sem me ver e os problemas de saúde, a princípio ela não me reconheceu, mas bastaram algumas explicações e ela se recordou de mim. Neste momento um grande sorriso se estampou em seu rosto, e eu senti que ela ficou realmente muito feliz em me ver ali ao seu lado. Não teve nenhuma bronca, nem sermão ou sequer uma pergunta do por que eu havia sumido. Conversamos por algum tempo, e tudo o que eu via era a felicidade que ela sentia por eu estar ali. Naquele coração não havia espaço para mágoas ou ressentimentos, havia somente bondade e amor. Dali em diante voltei a visitar minha avó regularmente e apagar a marca da ausência deixada no passado.
Infelizmente a saúde dela foi gradualmente piorando, levando a dificuldade de locomoção e fala, mas ela manteve a lucidez, e era fácil notar a alegria dela ao receber visitas, fosse um filho, neto, amigo, vizinho ou quem quer que fosse, havia sempre um sorriso pra todos.
Vó Tunica agora está ao lado de Deus. Sua falta é irreparável para todos que puderam conviver com ela. Sua missão aqui na terra foi cumprida com louvor. Seus treze filhos e incontáveis netos e bisnetos guardam na memória uma lição de amor, carinho e bondade inesquecível. Eu aprendi com ela que onde há amor, há sempre perdão, e é esta a imagem que guardo dela, sentada na varanda com um grande sorriso de amor.
FIM